quarta-feira, 22 de junho de 2011

A filha


Há alguns dias atrás andava pelas ruas da cidade onde vivo. Era noite e ninguém partilhava os meus passos. De vez em quando ouvia-se o som de uma televisão, o motor de um carro que passava, um cão que ladrava. Ao longe nada. Até que comecei a distinguir vozes cada vez mais próximas. O longe, de repente, desenhava na penumbra três vultos, os donos das vozes que me tinham despertado do entorpecimento com que muitas vezes percorro as ruas da cidade.

Era um homem, uma mulher, ambos relativamente jovens, e uma rapariga, para aí de sete anos de idade. A voz que mais me chamou a atenção, pela intensidade do sofrimento que a produzia, era da rapariga, vi-a agora, franzina, perdida, cheia de medo, que se voltava ora para um ora para outro dos adultos.

Pai! Pai! Gritava a miúda aquela palavra que eu conheço tão bem. Maldita palavra. Tão pequena e tão intensa ao mesmo tempo. Tão cortante em mim e na noite que ninguém quis percorrer. Pai! E o homem jovem a encaminhar-se para o carro, a mulher a dizer umas coisas com vontade de dizer coisa nenhuma.

Pareceu-me que ele a recriminava por algo que se tinha passado. Ela a subir as escadas sem responder sequer. Pai…! Insistia a rapariga. A voz cortava a noite em duas partes. Uma que me pertencia, a mim e à pequena que gritava derrotada de querer que o tempo parasse, e a outra que estava cada vez mais longe de nós os dois e mais perto do inferno que as pessoas atiçam.

O pai não volta, pequena! Hoje não volta. Da mesma forma que amanhã provavelmente não vai voltar. Mas isso a pequena faz-me crer que ela não sabe. Ou se recusa a querer saber. Pai…! Pai…!

sábado, 9 de abril de 2011

Que 47 impávidos marotos!



Que 47 impávidos marotos! A menorizarem a inteligência de cada um dos portugueses. A acharem-se donos da verdade única, lógica, pública. Como se isto tudo fosse (só) deles. Não perceberam ainda que as elites são cada vez mais amplas, mais democráticas, mais transversais à sociedade no seu todo. E que já não se sentam apenas às mesas do Frágil, do Gambrinus ou das cátedras das universidades bolorentas de tanta janela por abrir.
Ah! E já agora podem juntar a este auto-denominado grupo de notáveis o quase-presidente da república que vamos tendo...

sábado, 5 de fevereiro de 2011

É tempo de parar e repensar o jornalismo de proximidade que se faz em Portugal


Vive-se, hoje, um tempo de grande indefinição ideológica e governativa. Aparentemente ninguém percebe nada do que se está a passar: os políticos não conseguem resolver os problemas mais comezinhos, as famílias vivem dificuldades que julgavam definitivamente ultrapassadas, as empresas lutam contra sistemas económicos desiguais. E, no meio de tudo isto, cada um de nós procura interpretar os sinais de um futuro, que é já hoje, e que não se deixa adivinhar.

São dias difíceis estes que estamos a viver. A todos os níveis. Nas escolas, nos tribunais, nos hospitais, nas instituições em geral sente-se a necessidade urgente de repensar tudo, desde os alicerces que lhes serviram de base durante décadas até aos desígnios do que aí há-de vir. E isto, com incidência acrescida, num país como Portugal, fragilizado historicamente nos diversos sectores por práticas permanentes de sustentabilidade duvidosa.

No meio de toda esta volatilidade, a área da comunicação social não poderia constituir excepção no processo de questionamento e de crise. A verdade é que a informação actual pouco tem a ver com aquela que se produzia nas velhas redacções dos jornais que nos habituamos a ler. Os leitores são outros, as exigências são maiores, os meios tecnológicos, esses, então, situam-se numa dimensão inimaginável há pouco tempo atrás.

Basta dizer que a comunicação moderna deixou de ser unidireccional. Ela pode ser feita, é certo, através de uma plataforma única - por exemplo, a digital -, mas as aplicações terão de ser diversas; quer dizer, o mesmo título jornalístico deverá ser difundido através do jornal, rádio e TV digitais, do iPad, dos smartphones e de toda a gama imensa de gadgets que não param de chegar ao mercado. Isto, naturalmente, se os órgãos de informação quiserem contrariar a dispersão de estímulos que envolvem o consumidor final e assim chegar até ele.

Não é fácil a tarefa, ainda para mais tendo em conta a crise económica – mas também anímica – em que o país, hoje, se reconhece. E se esta é a realidade da imprensa de expansão nacional, imagine-se a gravidade da situação vivida pelos órgãos de informação regional. Esses, então, enfrentam ainda dificuldades maiores. Falta-lhes o apoio financeiro e humano capaz de os aproximar do novo leitor. E, principalmente, falta-lhes tempo para se poderem questionar, reformular, situar num mundo global e próximo ao mesmo tempo.

O resto virá depois. Estamos certos disso. Até porque o futuro não se compagina da mesma forma que antes em termos de regionalismo ou cosmopolitismo. O mundo vai ser um só. E com uma vantagem acrescida para a imprensa local: a democraticidade crescente na utilização e posse dos meios tecnológicos indispensáveis ao exercício informativo.