quarta-feira, 22 de junho de 2011

A filha


Há alguns dias atrás andava pelas ruas da cidade onde vivo. Era noite e ninguém partilhava os meus passos. De vez em quando ouvia-se o som de uma televisão, o motor de um carro que passava, um cão que ladrava. Ao longe nada. Até que comecei a distinguir vozes cada vez mais próximas. O longe, de repente, desenhava na penumbra três vultos, os donos das vozes que me tinham despertado do entorpecimento com que muitas vezes percorro as ruas da cidade.

Era um homem, uma mulher, ambos relativamente jovens, e uma rapariga, para aí de sete anos de idade. A voz que mais me chamou a atenção, pela intensidade do sofrimento que a produzia, era da rapariga, vi-a agora, franzina, perdida, cheia de medo, que se voltava ora para um ora para outro dos adultos.

Pai! Pai! Gritava a miúda aquela palavra que eu conheço tão bem. Maldita palavra. Tão pequena e tão intensa ao mesmo tempo. Tão cortante em mim e na noite que ninguém quis percorrer. Pai! E o homem jovem a encaminhar-se para o carro, a mulher a dizer umas coisas com vontade de dizer coisa nenhuma.

Pareceu-me que ele a recriminava por algo que se tinha passado. Ela a subir as escadas sem responder sequer. Pai…! Insistia a rapariga. A voz cortava a noite em duas partes. Uma que me pertencia, a mim e à pequena que gritava derrotada de querer que o tempo parasse, e a outra que estava cada vez mais longe de nós os dois e mais perto do inferno que as pessoas atiçam.

O pai não volta, pequena! Hoje não volta. Da mesma forma que amanhã provavelmente não vai voltar. Mas isso a pequena faz-me crer que ela não sabe. Ou se recusa a querer saber. Pai…! Pai…!