domingo, 28 de abril de 2013

"Este País não é para velhos"


Uma mulher velha tentava ao balcão da farmácia iludir a realidade. "O médico disse-me que o número de glóbulos vermelhos estava bem". A funcionária jovem expressava-se numa voz firme e ao mesmo tempo suave. "Estes comprimidos só pode tomá-los depois de comer alguma coisa!". "Mas eu não tenho apetite", lamuriava-se a mulher doente ao mesmo tempo que imprimia pequenos ziguezagues na postura do corpo na tentativa de esconder-se de mim que assistia à cena.

A cara da menina saudável de bata branca ia ficando mais severa. "Mas não toma o pequeno-almoço?” insistia a recém-formada farmacêutica. O corpo da mulher doente e o balcão eram já um só, tão colados estavam um ao outro. " Não", consegui decifrar a partir de um esgar esforçado de voz sumida.

Vim-me embora nesse momento porque já tinha sido aviado no meu pedido de cliente e porque não queria perturbar mais a intimidade reclamada por aquela mulher que se recusava a assumir a anemia que a natureza má lhe impôs.

Este país não é para velhos nem para aqueles que um dia também o vão ser, pensava eu enquanto entrava no carro. Nunca vou querer anemias nem pequenos-almoços por servir. O noticiário no rádio do carro entretanto fazia-se anunciar através do jingle estafado de tanto tocar.

Foto: Margherita Vitagliano

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