sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Ana Moura


Ana Moura,

No momento em que estiveres a ler estas palavras estarei a sobrevoar o Mediterrâneo a caminho do Dubai. Apeteceu-me mergulhar noutras paragens, procurar o mar e a esperança que nascem a oriente. Não poderei assim olhar-te no espectáculo que darás esta noite. Eu sei que terias vontade que as coisas não corressem assim. Disseste-me isso no último fax que me enviaste dando-me notícia de hoje e de que aceitaste a actuação por saberes que decorrerá no teatro vizinho do meu apartamento. E de que vestirás o corpo de lantejoulas azuis tal como sabes que eu gosto.

É verdade que por momentos pensei em corresponder ao teu desejo. Cheguei mesmo a debruçar a minha hesitação no parapeito da bilheteira do teatro municipal. Mas o funcionário disparou traiçoeiro as palavras que não nos pertencem: “lotação esgotada”. Perdoa-lhe, Ana, que ele não sabe de nós. Nem ele nem eu.  És rio que corre para a nascente. E eu com os olhos fitos no mar. Salva-se a noite que ri soberba das nossas mãos a procurarem-se.

Vou agora no avião à procura por alguns dias de uma terra onde o dinheiro corra pelas ruas e pelos balcões. Deixei para trás o Passos mais o Portas mais o Camilo. E a ti também. Se amanhã aí estivesse iríamos por certo almoçar ao restaurante do Abel, comer a posta mirandesa e beber o vinho Casal Garcia fresquinho. No final pediríamos o pudim do intermaché enquanto me contavas pela milésima vez o desfado em que a tua vida se transformou.

E tu simpática a pagares-me a consulta transformada em conta do restaurante. E a tua voz sensual de fazer inveja ao Barry White a soar-me cá por dentro. Dizendo que gostas de mim. Meu Deus, mas eu porquê? pensaria mais uma vez. Como é possível teres descoberto deste modo tão arguto o enorme interesse que me enforma? E a hospedeira a olhar para mim sem perceber nada de nós dois enquanto me pergunta se já escolhi o jantar.

Adeus, Ana. Até um dia destes. No teu Ribatejo ou no meu mundo todo. Ah! É verdade: a Cuca Roseta que fez questão de me acompanhar nesta peregrinação por terras sem troika pede-me para te mandar um beijinho. Um dia destes vamos ver o rio a chegar ao mar os três juntinhos. Bom espectáculo.

1 comentário:

AC ______ Alice Coelho disse...

Texto soberbo de uma despedida sem palavras para terras que um dia irão contar uma história que não aconteceu..... Amei!!! <3