domingo, 8 de janeiro de 2017

Adeus Mário Soares


Mário Soares morreu hoje. A notícia era esperada há algum tempo. Estávamos por isso todos preparados para ela. Mas mesmo assim custa. Não era uma pessoa qualquer. Muitos não saberão mas tempos houve em que do nosso país os estrangeiros conheciam a Amália, o Eusébio e o Mário Soares. Entre a geração de políticos de excepção que a Europa teve – sim, um dia teve, parece incrível! – constam nomes como François Miterrand, Willy Brandt, Olof Palme, Hans-Dietrich Genscher, Felipe Gonzalez, Helmut Schmidt, Helmut Kohl, Jacques Delors e, claro, Mário Soares.
Mas não é disso que vou falar hoje. Fica prometido para outros espaços de reflexão. Vou antes dar-vos conta da memória pessoal que guardo dele.
Importa dizer que desde muito cedo gostei de política. Lembro-me de criança ainda recusar o gesto afetuoso de Américo Tomás ao querer fazer-me uma carícia na testa, num jantar faustoso, depois de ter chegado no Rolls-Royce da Presidência; de integrar-me, alguns anos mais tarde, na fila que na Sexta-Feira à noite esperava pela edição do semanário Jornal (era eu o mais jovem dos clientes); de ler o Expresso de uma ponta à outra (anúncios de emprego incluídos).
De Mário Soares recordo-me da 1ª vez que estive com ele. Só não levava calções porque nunca mais os usei desde os oito anos de idade. Abeirei-me dele, o meu herói político, não me lembro se consegui dizer coisa alguma, cumprimentei-o e… não, não leiam mais aqueles que não gostam dele... desejo-vos um tempo feliz na companhia da TVI… sejam vocês mesmo segundo os mandamentos do Reiki… cheirei as mãos... e lá estava ele… um perfume beatífico, dos Champs-Elysés, quase-terreno, quase-celestial.
E depois as gravatas. De um bom-gosto irrepreensível. Os fatos feitos à medida num corpo que ultrapassava as coordenadas dos dietistas mas que a altura acima da média ajudava a disfarçarem.
E que valia isso perante a verbe de Mário Soares? Como jornalista acompanhei algumas vezes congressos, acções de incentivo dirigidos à actividade empresarial. Escusado será dizer que havia sempre indivíduos preparados para zurzir no político – a grande maioria regressados das antigas colónias e zangados com tudo e com todos.
Mário Soares entrava nos anfiteatros com o seu passo largo, o sorriso confiante no rosto e a inigualável desenvoltura pronta a actuar.
Algum tempo depois, a bonomia posta em acção, um interesse genuíno naquilo que os outros diziam, a última palavra escolhida a preceito, e era vê-los juntos, braços nos ombros, irmanados na ideia de progresso e de investimento.
É com muita emoção que escrevo hoje sobre Mário Soares, o homem que mais me influenciou politicamente. Vivemos na actualidade outros tempos, políticas novas. Dizem que pertencem à era da pós-verdade. Pode ser que sim. Mas uma coisa não faça o possível eleitor nunca: não se deixe representar por políticos que não saibam juntar o exercício político à cultura, seja ela livresca, científica ou artística. Mário Soares é o exemplo perpétuo disto mesmo.

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