Mário Soares morreu hoje. A notícia era
esperada há algum tempo. Estávamos por isso todos preparados para ela. Mas
mesmo assim custa. Não era uma pessoa qualquer. Muitos não saberão mas tempos
houve em que do nosso país os estrangeiros conheciam a Amália, o Eusébio e o
Mário Soares. Entre a geração de políticos de excepção que a Europa teve – sim,
um dia teve, parece incrível! – constam nomes como François Miterrand, Willy
Brandt, Olof Palme, Hans-Dietrich Genscher, Felipe Gonzalez, Helmut Schmidt, Helmut
Kohl, Jacques Delors e, claro, Mário Soares.
Mas não é disso que vou falar hoje. Fica
prometido para outros espaços de reflexão. Vou antes dar-vos conta da memória
pessoal que guardo dele.
Importa dizer que desde muito cedo
gostei de política. Lembro-me de criança ainda recusar o gesto afetuoso de
Américo Tomás ao querer fazer-me uma carícia na testa, num jantar faustoso,
depois de ter chegado no Rolls-Royce da Presidência; de integrar-me, alguns
anos mais tarde, na fila que na Sexta-Feira à noite esperava pela edição do semanário
Jornal (era eu o mais jovem dos clientes); de ler o Expresso de uma ponta à
outra (anúncios de emprego incluídos).
De Mário Soares recordo-me da 1ª vez que
estive com ele. Só não levava calções porque nunca mais os usei desde os oito
anos de idade. Abeirei-me dele, o meu herói político, não me lembro se consegui
dizer coisa alguma, cumprimentei-o e… não, não leiam mais aqueles que não
gostam dele... desejo-vos um tempo feliz na companhia da TVI… sejam vocês mesmo
segundo os mandamentos do Reiki… cheirei as mãos... e lá estava ele… um perfume
beatífico, dos Champs-Elysés, quase-terreno, quase-celestial.
E depois as gravatas. De um bom-gosto
irrepreensível. Os fatos feitos à medida num corpo que ultrapassava as
coordenadas dos dietistas mas que a altura acima da média ajudava a disfarçarem.
E que valia isso perante a verbe de
Mário Soares? Como jornalista acompanhei algumas vezes congressos, acções de
incentivo dirigidos à actividade empresarial. Escusado será dizer que havia
sempre indivíduos preparados para zurzir no político – a grande maioria
regressados das antigas colónias e zangados com tudo e com todos.
Mário Soares entrava nos anfiteatros com
o seu passo largo, o sorriso confiante no rosto e a inigualável desenvoltura
pronta a actuar.
Algum tempo depois, a bonomia posta em
acção, um interesse genuíno naquilo que os outros diziam, a última palavra
escolhida a preceito, e era vê-los juntos, braços nos ombros, irmanados na
ideia de progresso e de investimento.
É com muita emoção que escrevo
hoje sobre Mário Soares, o homem que mais me influenciou politicamente. Vivemos
na actualidade outros tempos, políticas novas. Dizem que pertencem à era da
pós-verdade. Pode ser que sim. Mas uma coisa não faça o possível eleitor nunca:
não se deixe representar por políticos que não saibam juntar o exercício
político à cultura, seja ela livresca, científica ou artística. Mário Soares é
o exemplo perpétuo disto mesmo.
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