sexta-feira, 28 de abril de 2017

Rosa Ramalho


O tempo e os meus calções cresceram. Obedeceram ao movimento da vida. O carrossel não parou e passei a assinar cheques e a usar gravata. E a lembrar-me.

Este fim de semana fui a casa dos meus pais. Vi o álbum de fotografias dos calções. De quando a memória tinha um suporte material. Hoje, com os telemóveis, nada fica. Sobra o Facebook e a nuvem que guardam o passado até um dia.

Entre as diversas fotografias esta chamou-me a atenção. Fixei-a na memória com a ajuda do telemóvel. Por isso é que a nitidez não é a melhor. Mas dá para reconhecer: eu de calções, a minha mãe, o meu irmão e uma senhora velha que na altura era tão-só um dos ícones nacionais. Rosa Ramalho de seu nome, ceramista e artista popular de eleição.

Nos olhos dela via-se tudo. O génio, a capacidade de ver as coisas de sempre de outra forma.

Nunca foi à escola. Quando se diz que o talento nasce do esforço, quase nunca é só assim. Durante 50 anos, enquanto foi vivo o pai dos seus sete filhos, não moldou o barro com as suas mãos. Havia que fazer face à vida difícil. Só depois, aos 68, pôde então dar largas à imaginação.

Os especialistas falam que sem o saber, Rosa Ramalho fazia arte surrealista, tal o modo como traduzia o seu imaginário acrescentando a cabeça de um bicho ao corpo de gente, aumentando ou diminuindo as partes de uma estatura física que via de forma singular.

Lembro-me bem daquela tarde. Fomos à casa dela com um escultor nosso amigo que queria fazer um busto da artista tornada mito pela televisão e pelo poder político do tempo.

Parecia uma avó. Gostou do meu irmão e de mim, mas no meu caso não fez favor algum. Foi à oficina onde modelava e trouxe debaixo do avental – podia algum dos familiares estar a ver – um Cristo que nos ofereceu.
Não sei se o miúdo do lado esquerdo da fotografia (o meu irmão) se apercebeu da qualidade artística da peça. Eu apercebi-me logo e de quanto poderia valer no ano de 2017.

Às vezes era bom podermos voltar atrás e recuperarmos algumas coisas. Nós e o País. Por exemplo, o Estado cumprindo o prometido: a recuperação do terreiro da fotografia e da casa da artista criando assim o Museu Rosa Ramalho.

1 comentário:

Fabiano disse...

Rosa Ramalho era irmã mais velha do meu avô paterno, Casimiro Ramalho (Casimiro Barbosa Lopes). Daqui do Rio de Janeiro, onde vivo desde que nasci, fiquei a saber desse parentesco por acaso. Meu avô veio viver aqui em 1927 e faleceu em 1969 (dez anos antes de meu nascimento, infelizmente) e sempre trabalhou aqui com olaria e artesanato em barro. Meu pai achava estranho que a alcunha dele era "Ramalho" e queria saber donde havia vindo isso. Como sempre tive uma enorme curiosidade sobre a vida pregressa do meu avô em Portugal e antes do advento da Internet era impossível essa pesquisa. Portanto, quando tive computador com acesso à rede fui logo tratar de pesquisar sobre Galegos de São Martinho e Barcelos.

Cada dia investigava um pouco. Isso durante mais de cinco ou oito anos. Uma bela noite de 2009 estava eu a olhar blogs portugueses de artesanato e fixei o olhar numa velinha de nome Rosa Barbosa Lopes. Mirei e vi que ela se parecia com meu avô. Fui recordando que meu pai diz que meu avô uma vez mostrou o jornal de Portugal para ele e os outros filhos com a irmã famosa no artesanato português, porém, nunca havíamos ouvido falar de uma Rosa Ramalho. Então chamei papai e mostrei a foto e o nome da senhora e ele disse: "- olha, não tenho certeza, mas acho que essa senhora é a tal irmã Rosa de quem papai sempre comentou."

O que fiz após isso foi procurar a Júlia Ramalho, neta da Rosa Ramalho, e acabei encontrando a pessoa que administrava o blog e que conhecia a Teresa Ramalho, filha da Júlia e bisneta ceramista entusiasmada da Rosa. Enviei um e-mail longo a ela e recebi uma resposta mais longa e mais: ela sabia pormenores da vida do meu avô em Portugal com fotos da casa onde ele viveu etc. Um dos dias mais felizes da minha vida. Desde então sigo tentando percorrer o caminho do meu avô. Meu sonho é ter a cidadania portuguesa e ir viver na cidade onde ele viveu.

Obrigado por mais essa foto.

https://www.flickr.com/photos/46170325@N06/5027865014