"O grande caminho", pintura de Fridensreich Hundertwasser, 1955.
Quase
sem darmos por isso, o tempo que é ausência de novidade, fez-se tempo de Natal.
A vontade de sermos outra vez interpela-nos de um modo intenso.
Com
o advento do Natal parece que sentimos, cada um de nós e todos, necessidade de
nos voltarmos a pensar, de nos questionarmos acerca das escolhas de vida que
fizemos ou que nos fizeram crer termos feito.
É
um pouco como se nascêssemos uma vez mais. Aliás, o Natal é isso mesmo. É a
festa do nosso nascimento. De Jesus Cristo, filósofo, de Deus e de cada um de
nós. Sejamos homens de fé ou não.
Por
isso é que o Natal - festa da universalidade, por excelência - transforma-se,
ano após ano, em contradição não resolvida, ao significar a celebração da nossa
singularidade partilhada e, simultaneamente, a da pertença a uma colectividade
que nos distingue. E a verdade é que nós somos ambas as coisas. Irrepetíveis de
não haver igual, para o bem e para o mal, e solidários de não conseguirmos
viver com o egoísmo de sermos só nós. Por isso é que precisamos do rosto do
outro, que nos olha e diz o que lhe vai na alma ou a mentira que os lábios
balbuciam. Pouco importa.
Porque
aquilo que realmente necessitamos é de sermos com os outros, revisitados a
partir da palavra e do beijo com que nos dizem gostar de nós. No teatro –
verdade de todos os dias, no dealbar que começa e recomeça dos tempos que estão
por acontecer.
O
Natal é isto, e só isto. Como se nascêssemos outra vez. Melhores do que já
fomos, porventura. Ou então, não. A felicidade não se faz assim. Faz-se de
coisas simples, da sinceridade de sermos quem somos. No trabalho, na vida, no
amor.
Talvez
seja, esta, afinal, a mensagem principal de Natal. A da celebração do nascimento
de cada um de nós e de todas as coisas, como se disséssemos uma vez mais,
obrigado, e a da aceitação consciente da verdade de sermos assim hoje e eternos
amanhã. De mãos dadas com aqueles de quem mais gostamos, cirandados no
carrossel – vertigem da vida de todos os dias.