quarta-feira, 29 de março de 2023

O Assessor do Presidente


Há muito que percebi ter um sentido de humor diferente do das outras pessoas. Chego mesmo a divertir-me com situações a que quase ninguém acha piada.
Foi o que aconteceu naquela noite em que resolvi assistir a uma conferência de Marcelo Rebelo de Sousa. Corria o ano de 2015 e o professor ainda não tinha anunciado a candidatura à presidência da república embora a decisão estivesse já tomada. 
Talvez por esse motivo, a sala onde Marcelo discorria sobre a beatitude de João Paulo II não parava de encher. Os próprios corredores ao lado da plateia estavam a ser tomados. E eu à frente daquela gente toda, muito próximo do púlpito do orador — como sempre, aliás. 
Mas houve um momento em que o discurso estava a interessar-me menos, para além de que o calor daquela gente toda começava a fazer-se sentir e, por isso, resolvi tomar conta da situação. Encaminhei os presidentes de câmara e de junta que chegavam para os últimos lugares do auditório, mandei sair da frente dos corredores os candidatos a políticos que ali pululavam.  
A seriedade com que exerci as minhas novas funções foi de tal ordem que as pessoas já vinham ter comigo a perguntar se podiam sentar-se em determinado lugar. 
Um ou dois dos presentes ainda me questionaram acerca do estatuto para tanto, ao que eu respondi, num tom muito grave — aliás condizente com o secretismo da função — integrar o gabinete do senhor professor.  
Quando a conferência acabou, e já depois de eu ter cessado as minhas atribuições, Marcelo dirigiu-se aos jornalistas presentes e — surpresa! — teve o desplante de durante cerca de vinte minutos fazer-se passar por primeiro-ministro. 
Fiquei chocadíssimo com a atitude daquele homem.

Foto Web Summit

sexta-feira, 3 de março de 2023

Família portuguesa


Portugal a olhar de frente a lente fotográfica. A timidez atávica misturada com a humildade costumeira a dar sinais de si. Os mais velhos ciosos da solenidade que o momento exige. Os mais novos assustados com o relâmpago que aí vem. 
É a típica família portuguesa dos inícios do século XX. Da pobreza que viveram desde sempre até à situação de lavradores remediados. Suportando o sacrifício do trabalho quase comparável em grau de violência à escravidão. Tudo para para deixarem à geração seguinte um património maior. Capaz de assegurar a sobrevivência eterna e não apenas provisória. Que foi aquela com que sempre viveram. 
E foi assim que se fez Portugal durante os últimos cem anos. País remediado, governado por uma elite que não merecia a bonomia com que o povo lhes obedeceu. Desde sempre até aos dias de hoje. 
Quanto à família retratada, a criança loura é avó da juíza conselheira do tribunal constitucional (com carreira académica assinalável em Direito Administrativo), a irmã de olhar perscrutador tem na actual presidente da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (casada com um antigo presidente da Assembleia da República) a sua descendente mais conhecida, e a terceira das raparigas (à esquerda na imagem) é tia avó por afinidade daquela que historicamente continua a ser reconhecida como a fundadora do Bloco de Esquerda. 
As outras duas foram felizes. 


(Nota: Os factos aqui descritos são produto da imaginação do autor. Não é, portanto, verdade o descrito no texto; podia ser, mas não é. Mesmo a fotografia depois de analisada com mais atenção, parece referir-se a uma família estrangeira (talvez dos balcãs ou eslava) e não portuguesa.