domingo, 25 de abril de 2021

Festejando a ignorância


“Hoje é um dia feliz: vou desfilar na Avenida da Liberdade. Comemorando essa data memorável, o 25 de Abril. Finalmente o Iniciativa Liberal foi autorizada a participar nos festejos. Vai ser o máximo. Eu, a Teté, a Carlota e o Manel vamos juntos fazer a festa gritando o Povo Unido Jamais Será Vencido e o 25 de Abril Sempre. E, além disso, cantando com aquele barulho sincopado dos sapatos do povo, o Grândola Vila Moreno. Só não sei ainda qual a cor do cravo a escolher: se encarnado ou branco ou preto. Claro que tenho consciência que tudo depende do tom do vestido a levar. E aí está a dificuldade — ando indecisa entre um azul da Gucci e um preto e branco que comprei na feira de Carcavelos. Sou capaz de pedir ao Manel que me ajude a resolver o dilema. Mas estou tão entusiasmada com a festa. Nem os meus pais puderam festejar esta data há 47 anos porque estavam em trânsito para Madrid. Sou a primeira da família a fazê-lo. A cantar vitória no dia em que se assinala o exílio do Salazar e do Spínola no Brasil. Até à vitória final, companheiros. Sempre!”

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Medo do Amor


Sim, estou a ver-te. A ti, só a ti. O resto não me interessa nada. Que pensem o quiserem, que digam o que disserem. 

O meu mundo confunde-se contigo. Se te ris, eu rio também; se te zangam, eu compro briga. A minha vida começa quando começa a tua. Tenho vontade da festa quando tu a tens. Leio o livro só quando sei que estás nele. Eu e tu. 

Um dia destes hei-de ganhar coragem e dizer-te tudo isto. Mas tenho medo de a minha vida acabar nessa altura. E de ter de te ver de mão dada com outro. Com aquele que eu não sou.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

À procura da identidade


O ser humano é muito estranho; torna-se, por isso, difícil apreendê-lo em toda a sua complexidade. Podemos estudá-lo pedaço a pedaço, primeiro os olhos, depois a palavra, logo de seguida traçando o perfil pisco-afectivo do pai ou da madrasta. Vai dar mais ou menos ao mesmo. Quer dizer, a muito pouco.  

Ou então buscando no todo a resposta de quem nunca é só um momento. Nem um só sítio. Nem uma só pessoa. Da mesma forma que não se confunde com uma música, um livro, um filme, um amor. É cada uma dessas coisas e muito mais do que isso. 

Pode-se mesmo recorrer às estratégias que o engenho científico nos proporcionou. Do cubismo à psicanálise existencial, do gestaltismo à neurofisiologia, da inteligência emocional à biotecnologia — os resultados são positivos mas sempre parcelares. 

Falta a perspectiva integrativa (não confundir com generalizadora) capaz de distinguir o acessório do essencial, produzindo um continuum coerente acerca de cada indivíduo. 

Claro que nem todos poderão chegar a este estádio de compreensão. Na primeira fila deste grupo de notáveis estarão os artistas, com destaque para os escritores e os poetas — desde que beneficiários da evolução científica conseguida pela comunidade dos investigadores. 

Na segunda fila sentar-se-ão as senhoras nossas vizinhas do terceiro esquerdo, do sexto frente, as clientes do café da Dona Júlia, a jornalista da Alerta TV e o Sr. Abílio do quiosque. 

Sem a contribuição de todos eles a ciência nunca será capaz de atingir a ansiada douta ignorância.

domingo, 18 de abril de 2021

A célebre intuição feminina


A menina da imagem não teve em conta um dos melhores trunfos do homem: o de servir de contrapeso.

quarta-feira, 14 de abril de 2021

A mulher do cartaz


— Olá!
— Olá!

— Sais hoje?

— Não. Tenho compromissos comerciais a cumprir. Mas não desistas. Quem sabe, um dia...

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Esplanada da Páscoa de 2021


Este ano é já o segundo de uma desgraça vivida a muito custo. A covid-19 minou o viver colectivo na falta de previsibilidade quotidiana.

No meu caso as proporções negativas são ainda maiores. Para quem encontra nos outros a razão de viver, o solilóquio permanente não substitui nada. Eu sou, sempre fui, o “homem que olha” do Alberto Moravia. Quer dizer, a minha história de vida é a dos que fugazmente se situaram na vizinhança da minha mesa. Aonde? Na esplanada, onde havia de ser?

Significa isto que não vivi nos últimos meses. Um “voyeur” precisa de ter na mesa ao lado a prima assim-assim da Soraia Chaves, o Labrador castanho com mancha branca, o Sr. José da banca dos jornais, a velha serigaita que já foi vedeta de televisão. 

Sem eles eu morro. Pelo menos animicamente. É por isso que, só hoje, dia em que o Dr. Cabrita autorizou a reabertura das esplanadas, renasço para a vida. 

Como se usufruísse finalmente da minha Páscoa. Da possibilidade de ser outra vez. Eu e a Primavera, e o Sol, e a roupa clara. Aleluia! Aleluia!

Olho em frente e o mar desafia-me com um sorriso próprio de quem compreende. É a prerrogativa dos verdadeiramente amigos. 

Segunda-feira de Páscoa de 2021