sábado, 28 de janeiro de 2023

O palco das jornadas mundiais da juventude em Lisboa


“Magoou-me muito saber o preço do altar. Estragou-me mesmo o dia. Um solinho destes e eu a reflectir acerca do que se há-de fazer. Ou melhor, a pensar quem o vai pagar. Ele é lindo, eu sei. Fui eu que o propus assim, a pensar nos Santo Padre e na cadeira de rodas, e também em mim: se o projecto não contemplasse aquelas pistas de skate como é que subiria até ao altar sem poder usar a trotinete que tanto me tem ajudado nos percursos difíceis da vida? Eu e a menina Madalena Norton de Barros, que é guia de Portugal, e tem sido minha pendura nas viagens de trotinete. Os dois, cabelos ao vento no mesmo veículo, e os meus sapatos vermelhos impecavelmente preservados. A Manuela Ferreira Leite pediu-me boleia por interposta pessoa, mas mandei dizer que já me tinha comprometido. Ainda algum dos dois mil convidados que vão pisar o altar lhe roubava o colar de pérolas e acabava por culpar a velocidade estonteante da viagem por aquelas rampas. Eu e Deus Nosso Senhor sabemos muito.”

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

As Leis do Amor


Maldito seja quem se lembrou de criar o Amor. Se ele não existisse desfrutávamos, sem ponta de remorso, do homem ou da mulher que nos apetecesse. Hoje, aquele ser magnífico da esplanada, amanhã outra pessoa, passando de amanhã alguém de quem sentimos saudade. Livres e felizes.
E aos 85 anos, então sim, voltávamos a casa para constituir família.

domingo, 22 de janeiro de 2023

Instruções para casa

                                          















- Rosinha, meu anjo… Escrevo-te desde Unhais da Serra, onde vim dar uma palestra, mas volto hoje para Lisboa. Vou com vontade de comer bouef bourguignon. Diz à Irene para me preparar o jantar para as 8.37. Mas abram já uma garrafa de Château Petrus e deixem-no respirar. Deve estar com falta de ar como eu...

- Vou então dizer à D. Lurdinhas que o menino vem hoje e para cuidar da confecção do jantar...

- Não, não... A Irene dá conta do recado na cozinha. Estou muito cansado e preciso de deixar os meus pensamentos pularem a cerca. Diz à D. Lurdinhas que só chego amanhã. 

- Agora é que eu não percebo nada. Mas afinal o menino vem hoje ou amanhã?

- Ó mulher! Vou hoje, mas quero estar sozinho. Ah! É verdade! Faz-me a cama com os lençóis de seda, mas sem as pétalas que alguém tem lá colocado.

- E de que cor o menino quer os lençóis?

- Da cor que quiseres, que tenha a ver com os teus gostos...

- Mais alguma coisa?

- Continuas com as insónias, Rosinha?

- Nem queira saber, menino. Passo a noite a olhar para o teto e a pensar em coisas.

- Vamos hoje tratar disso. Entretanto fico à espera de que não tenhas fumado na minha ausência. Sabes bem que não gosto da casa a cheirar a cigarro.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

À minha mãe e ao meu irmão


Hoje a minha mãe e o meu irmão fazem anos. Dantes era dia de festa esperado na minha casa. Agora nada disto parece ter mais razão de ser. A alegria abandonou-nos, os anos de cada um transformaram-se em motivo de lembrança de um tempo irrecuperável.

A minha mãe e o meu irmão estão vivos e com saúde. Mas em tudo o resto, as coisas não são mais as mesmas. Eu parti de Viana há vinte anos num exílio forçado e ainda não resolvido. 

Vivo longe, numa terra onde a incompreensão das diferenças 
entre o forasteiro e a população do sítio é recíproca – eu não os percebo e eles também não me reconhecem como igual.

Dos meus quatro filhos, dois já partiram para a segunda etapa das suas viagens, iniciadas nas cidades grandes para onde foram estudar. A Leonor, a terceira, vai em Setembro. A Vodka, a gata, é a única que continua sem mudar de sítio e sem perceber nada disto.

Mas a solidão dos sítios e das gentes atingiu no ano passado o grito maior de dor de que me lembro, no dia em que o meu pai morreu. Ele era o alicerce do nosso aconchego familiar. A casa de todos parece hoje não ser de ninguém. Mesmo os quadros ou os livros deixaram de ser os mesmos agora que ninguém os explica com a mesma graça e o mesmo prazer no olhar.

É claro que conheço as palavras que normalmente se dizem nestas circunstâncias: “Chegou a altura de seres tu a tomar conta das novas vidas e das novas histórias de que há muito és responsável e não percebeste isso ainda”. 

Está tudo certo. Na teoria, pelo menos. O pior é o vazio que nos acompanha visitemos nós o Pólo Norte ou a Associação de Jornalistas e Homens de Letras na cidade do Porto.

E depois, no meu caso, é a falta do cenário da maior parte das histórias que me marcaram para sempre: a cidade de Viana. Não que aquelas ruas e cafés mereçam tanta saudade assim. Nem sequer as gentes que ali vivem. 

Mas é o meu poiso, o meu berço, o meu colo. É a terra de onde se vem e para onde sempre se vai. Nem que seja de um modo inconsciente. Traduzível apenas a partir da assunção da nossa identidade. 

E depois é a cidade onde vivem a minha mãe e o meu irmão que hoje fazem anos. Com quem vou jantar em pensamento e vontade. No final cantaremos os parabéns a vocês acompanhados do meu pai no seu lugar vazio e das vozes novas dos netos contentes com o futuro que está a começar.

Parabéns Mãe e Rogério.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Negociações a fingir


“Estou só a descansar um bocadinho antes das reuniões com os sindicatos. Vai ser uma tarde de grande aborrecimento! Eu a querer reformular a Educação em 
Portugal e aqueles despenteados a tratarem o tempo todo de questões menores: a carreira a dever ser considerada carreira, o atropelo aos direitos adquiridos, a vinculação a uma profissão previsível e proporcional. A falarem com um especialista em pedagogia como eu da mesma forma que o fariam com um colega de faculdade. Ainda se fossem dirigentes da TAP ou morassem no Monte Estoril… ou então escrevessem uns artigos de opinião no Correio da Manhã!”

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Inquérito ético-moral aos novos membros do governo


— Costa, esquece… não preencho inquérito nenhum. Os cidadãos que não façam parte da mediania não irão mais para o governo. Já lhes chega a devassa mediática a que vão ser sujeitos sem poderem, quando o exercício governativo terminar, regressar à actividade profissional de sempre e pela qual foram convidados a ocupar o cargo político. Vão ter muitos e bons candidatos, vão sim senhor…

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

A nova médica de família


Hoje é um dia com alguma importância na minha vida mais recente: vou conhecer a minha nova médica de família, a Dra. Catarina Moreira de Sá, e ter a primeira consulta com ela. A este propósito, o centro de saúde que frequento resolveu organizar uma série de eventos comemorativos do facto.
Assim:
15 h - Recepção ao insigne utente com banda de música e foguetório a acompanhar o início das cerimónias;
15:10 h - Discurso proferido pelo Ministro da Saúde evocando a alegria do governo por se ter conseguido reatar o serviço de proximidade com tão ilustre utente;
15:50 h - Palavras de júbilo ditas por mim próprio;
15:51 h - Início da consulta com a nova médica de família;
17:10 h - Conferência de imprensa com a referida médica durante a qual será divulgado o meu boletim de saúde das 17 horas;
17:30 h - Segunda e última actuação da banda de música ao mesmo tempo que serão lançados novamente foguetes.

domingo, 8 de janeiro de 2023

Alto-Minhota de gema


A voragem mediática dos últimos tempos não tem permitido o vagar que a notícia da normalidade das instituições exige. É o caso da escolha da ministra da habitação. Marina Gonçalves não tem marido que possa fazer asneiras, é boa pessoa, tem 34 anos (Jaime Gama tinha 31 quando foi nomeado ministro), fez a licenciatura e o mestrado na Faculdade de Direito do Porto. Tem outra particularidade que os especialistas do costume ainda não repararam: a Marina é de… Caminha, não constando que a falta do centro de exposições luso-galaico tenha constituído um entrave na sua formação pessoal. 
Esperemos que esta nomeação não a faça esquecer do pôr-do-sol único de Caminha — seguindo o exemplo de outros que quando chegam a Lisboa logo esquecem as suas raízes.