segunda-feira, 19 de novembro de 2018

No Dia Internacional do Homem


Tu, meu desgraçado, que sofres sem o poderes demonstrar quando fazes um filho que à luz da lei nunca será teu, nem sequer se há-de nascer ou não a tua opinião conta, que disfarças a raiva quando chega o correio da empresa de crédito fácil que nunca pediste, na dúvida de fazeres feliz a Patrícia que te deixa a ver o Bruno de Carvalho na televisão e vai sozinha para o casino da Póvoa, que tens de estar sempre pronto para transpor o regaço de todas as mulheres, incluindo a vizinha do 3* andar e a irmã da Patrícia, e se não o fizeres és expurgado da comunidade, e se o fizeres também, que és obrigado a gostar da equipa de futebol da capital do império que já não existe, e de oferecer flores mesmo sabendo que não é aquilo que a Teresa quer, o que ela queria mesmo era o Bentley que viu no cinema, que te sentes constrangido a ouvir de braço no ombro da Carolina aquele cantor de Karaoke chamado Michael Bublé, que deves ser competente no jogo da sedução mesmo que não te apeteça jogar, que convém usares gravata na canícula do Verão e gostar de sushi mesmo que salives só de imaginar um cozido à portuguesa, que tens de ser homem e sempre homem, sem vacilar sem chorar, comemorando o facto de o ser apenas uma vez no ano, no dia 19 de Novembro, quando és finalmente autorizado a banhar-te no mar e a sentar na esplanada sozinho. Não é fácil ser homem nos dias de hoje, eu sei. Tem calma. A vingança serve-se fria. 

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

A profissão de professor

A professora e os seus alunos. Um bando de miúdos ao redor da mulher que ensina as primeiras letras. Não é fácil fazer-se ouvir. Naquela sala vêm parar todos os problemas do bairro, da cidade, da vida. 
Ser professor é cada vez mais uma tarefa inglória. Porque nem sempre é compreendida e ainda menos reconhecida. Veja-se o caso do governo do nosso país: o que conseguiu junto daqueles profissionais, sem a opinião pública se dar conta, foi aproveitar a presença da troika e demitir os que tinham menos de 50 anos, para depois fazer um novo contrato estabelecendo um ordenado que equivale a metade do que por lei deveriam estar neste momento a ganhar. 
Virando a população contra os seus professores. Chamando-lhes de privilegiados, mandriões, grevistas permanentes. 
E eles iguais a sempre. A fazerem com que o sector da educação seja o que mais evoluiu nas últimas décadas. Contribuindo para a formação de novas gerações cada vez mais bem preparadas, a dar cartas cá dentro e lá fora. 
Triste profissão. Por isso é que ninguém a quer. Vamos ter de esperar por mão-de-obra barata, oriunda de África e da América Latina, para ensinar os nossos filhos e netos. Lamentável tempo aquele que aí vem em matéria de educação.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Hockney revisitado

“Estou tão feliz. Eu e a Vodka na sala depois de um dia de trabalho no escritório. Parece um quadro do Hockney. E daí... nunca ele pintaria coisa alguma sem a presença de um homem a abrilhantar a cena. Aqui não teria sorte. O meu Francisco Sérgio está na cozinha a fazer o jantar. Temos pena, não é Vodka?”

domingo, 4 de novembro de 2018

Cidade grande


Só. Nesta cidade grande em que não me reconheço. Longe de tudo e cada vez mais de mim. Só. O metropolitano a fugir e eu a correr atrás dele. A cidade grande nunca chega a tempo. De quebrar o silêncio quando a melancolia pede festa. De sentar na mesa ao lado a mulher que ri de todos. Do cumprimento afectuoso do director-geral que nunca nos olhou. Só. Não era isto que eu queria da cidade grande. Queria ser reconhecido. Estar perto de tudo. Do teatro e do rio. Do centro do mundo. Só. E eu cada vez mais longe de mim. E da minha cidade pequena que não me reconhecia mas conhecia. Só.

 

TEXTO: Francisco Sérgio de Barros e Barros
FOTOGRAFIA: Fátima Vicente Silva
CURADORIA (da iniciativa de juntar textos a trabalhos de fotógrafos portugueses reconhecidos): Maria Helena da Bernarda