domingo, 23 de agosto de 2020

Festas D'Agonia - a despedida



Hoje à noite aconteceria com a Serenata o fecho da edição de 2020 das Festas D’Agonia. A pandemia, como em quase tudo o resto, não permitiu a realização da edição deste ano. Os vianenses sofreram com o facto, há um desgosto colectivo que tomou conta do Agosto habitual. 

Mas não vale a pena pensar mais nisso. Há realidades que nos ultrapassam tal é a força que as move. Nestas circunstâncias deve-se aproveitar o que de negativo não podemos controlar para assim extrairmos lições para o presente e para o futuro. E de facto aconteceram nestes dias de festa adiada coisas demasiadamente importantes para serem subvalorizadas.

A título de contextualização convém dizer que o mais preocupante, a nosso ver, de tudo o que vem acontecendo relativamente às festas de Viana tem a ver com o progressivo desaparecimento (ou retirada forçada pela doença) de figuras notáveis do saber etnográfico alto-minhoto.

Mas atenção: elas não se revelaram só excepcionais sob o ponto de vista da erudição; eram, também, personalidades aparentemente insubstituíveis ao nível do poder do discurso, fosse ele exercido na televisão ou na festa do traje, só para citar dois exemplos. Não é fácil encontrar pessoas com o conhecimento e a qualidade comunicacional de Francisco Sampaio, Maria Emília de Vasconcelos, António Manuel Couto Viana, Maria Manuela Couto Viana, Diogo Pacheco d’Abreu Teixeira, Amadeu Costa, António de Sousa Gomes, Manuel Freitas, Francisco Cruz e Pedro Homem de Melo.

Repare-se que só falamos daqueles que connosco viveram nos últimos cinquenta anos. Antes deles, outras gerações em muito contribuíram para a divulgação da riqueza dos trajes, das danças e das tradições de Viana. 

Veja-se o caso de Manuel Couto Viana, autor daquilo que hoje seria conhecido como a “imagem institucional” das Festas D’Agonia, para além da divulgação do traje, dos costumes ancestrais e ainda da criação do formato que conhecemos das festividades. Aquilo que ele retratou ainda subsiste em termos de “design” e faz lei na actualidade.

Este ano, mesmo sem festa, tem-se assistido a sinais que parecem auspiciosos ao nível da renovação de gerações. Nomes novos de gente jovem que ama as festas e que quer fazer coisas. Sejam elas quais forem desde que relacionadas com a cidade e com a sua festa maior. Foi o caso de vídeos que surgiram nas últimas semanas com motivos originais, músicas tradicionais recriadas, roupas reinventadas, motivos diferentes de exaltação popular genuína.

Claro que tudo isto é possível, e bem-vindo, desde que não colida com a autenticidade histórica. E aqui surge o último dos receios: a de que esta geração embora preparada nas universidades tenha na sua formação conteúdos marcadamente tecnocráticos e desconheça as ciências necessárias para o estudo exaustivo, e complexo, das vicissitudes etnográficas e antropológicas do noroeste português.

Mas vamos acreditar que sim. Aquilo que preocupou os vianenses mais conhecedores, nomeadamente no que se refere ao modo como o poder autárquico geriu os assuntos da etnografia e da festa nos últimos anos, parece estar ultrapassado.

Agora falta patrocinar doutoramentos e a publicação de obras na área dos rituais de celebração colectiva no Alto-Minho, no estudo das origens celtas deste povo, nas particularidades da economia rural, marítima e tecnológica que estiveram desde sempre presentes na vida da população vianense. 

E depois trazer os novos saberes para a organização das festas juntando-os ao conhecimento etnográfico. Então sim, tudo poderá ser feito, desde a renovação do desenho de Couto Viana até à criação de novo repertório musical ou a divulgação de um modo original de escrever as festas. 

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

À procura de tubarões


Milésimo dia de férias. Já não sei o que fazer para voltar a pensar, tal tem sido a preguiça dos dias. Convenceram-me a andar mar adentro à procura de golfinhos, baleias, tubarões-tapete e tubarões-cobra. Enfim, algo de entusiasmante. Mesmo aquilo de que estou a precisar. 
No barco as pessoas não eram alentadoras nem à vista nem à conversa. A não ser, esperem, estou ver qualquer coisa: já repararam naquelas unhas tão bem tratadas? Mais tarde vou perguntar-lhe onde as “aplainou”. 

Dos animais prometidos o mar presenteou-me só com os golfinhos. Os tubarões-tapete, pelos quais tenho uma predilecção antiga, devem ter rumado a Arraiolos, que por aqui não andam. 

No barco, os marinheiros de água-doce estão contentes com os golfinhos, quer dizer, quase todos, que no grupo da Rosalía das unhas vistosas alguém está mal disposto. Parece que vai vomitar. Qual deles será? Se for a Rosalía vou ajudá-la. 

Não é. Quem está pálido, com a cabeça encostada à borda da embarcação — agora vejo — é o rapaz que acompanha a Rosalía e as amigas. 

Pobre mundo este. Já nada se parece com antigamente. Desde que a tropa acabou que os homens andam assim. A  Rosalía das unhas bonitas ainda vai mandar nisto tudo.