quinta-feira, 23 de maio de 2019

Os pavões e os motoristas de S. Bento


E mais coisas me contou a Maria Júlia, funcionária do parlamento. Uma delas tem a ver com a relação dos motoristas da Assembleia da República e os pavões do Palacete de S. Bento. Duas espécies vivas tramadas sendo que a das aves manifesta-se normalmente como  mais simpática e mais bem vestida. 
Mas para o caso em apreço, o que importa saber é que os motoristas têm de manter a todo o momento os carros oficiais a brilhar. Lavados de forma a ver-se o rosto de alguém na carroceria. A serem uns espelhos andantes, se possível. 
Ora os pavões, que amiúde passeiam entre a casa do primeiro-ministro e a Assembleia da República, circulam por entre os carros vistosos de tanto brilhar, olham para eles, e descobrem a sua imagem na carroceria. Como se estivesse a provocá-los. Claro que a resposta não demora: julgando tratar-se de bichos adversários atiram-se a eles e riscam os carros do estado.  
Uma desgraça. Ainda esta semana riscaram um de tal forma que teve de voltar à marca para ser pintado de novo. 
Um dia destes vou fazer o mesmo à Maria Júlia, pensei eu e ela. Mas antes tenho de me inspirar nos rituais de sedução dos pavões de S. Bento.

terça-feira, 21 de maio de 2019

Gato parlamentar


Nos jardins da Assembleia da República vivem vários gatos. Sete, mais exactamente, tantos quantos os quartos destinados para eles no hotel gatídeo construído no espaço relvado do Palácio de São Bento. Toda a gente que ali trabalha ou representa o esforçado povo português gosta dos bichos. Todos menos o Carlos Abreu Amorim.

Na imagem a minha grande amiga Maria Júlia acaricia o pelo do animal mostrando aquilo que seria capaz de fazer ao fotógrafo.

sábado, 18 de maio de 2019

Benfica contra o Porto


“Às vezes não sei que pensar: eu sozinha aqui e o mundo lá fora a rir e a divertir-se. E tudo por causa do Benfica. O Artur nas bancadas junto aos amigos e a esposa largada ao tédio de um Sábado à tarde na casa de sempre. O jogador a avançar decidido para o golo, a assistência a aplaudir em êxtase, a cor encarnada a cobrir de glória o estádio. Bem me dizia a minha mãe: ‘Filha, não queiras um homem que ande atrás da bola o tempo todo — é vulgar e não te vai dar nunca uma casa fora do Montijo.’ O malandro do Artur enganou-me bem: não apreciava futebol, não tinha clube e depois foi o que se viu. E ainda por cima o Benfica. Se ainda fosse do Sporting, uns senhores aperaltados, com bons empregos, ainda se suportava.
Agora eu sei, a vida pregou-me muitas rasteiras. Não fosse o Benjamim a mostrar-me o lado bom das coisas e nada em mim faria sentido. Mesmo gostando de futebol e sendo fanático do Porto ele sabe distinguir as coisas: o amor de uma mulher é mais importante que a bola, diz muitas vezes. 
Por falar nisso, a que horas é o jogo? Deixa ver: às seis e meia — já não falta muito! O Benjamim mostrou vontade de conhecer o sítio onde moro e beber vinho branco numa lugar da casa que eu escolhesse. 
Isto pelo menos até o árbitro apitar para o final do jogo.”

segunda-feira, 6 de maio de 2019

O professor


Eu sei que não vão acreditar, mas eu vi esta manhã — cabeça apontada ao chão, óculos providenciais, pasta na mão — um professor. 
Senti-me a tremer quando passei por ele. Fez-me lembrar a sensação que experimentei há tempos quando vi sete cadáveres esquartejados em plena estrada, o fumo a sair das entranhas, as cabeças separadas dos corpos. 
Juro-vos que era um professor aquele homem pelo qual passei esta manhã.

Na foto, o professor Jürgen Habermas

quarta-feira, 1 de maio de 2019

1º de Maio


Janela ou porta que se preze está hoje engalanada com um ramo de giestas ou com uma coroa de flores. Os portugueses actuais aprenderam com os romanos a esconjurar desta forma os seres maléficos e a festejar o recomeço do Verão e da vida.
Nisto sou igual a todos os outros: ontem à noite disse à Dona Lurdinhas para decorar com as tradicionais Maias a minha casa. Não que acredite em dimensões esotéricos do mal, mas a precaução nunca fez mal a ninguém. 
Ainda por cima não dá trabalho nenhum...
Estamos, por isso, todos mais seguros a partir de hoje. Escusa o Doutor Centeno de pensar em mim ou no leitor. Quer dizer, “penso eu de que”... o leitor pendurou a Maia na sua porta, não é verdade?
Se não o fez também não entre em desespero. Aqueles que me lêem são normalmente pessoas confiantes em si, com um grau de auto-estima francamente positivo. Deve ser este o seu caso. 
Afinal, que mal poderá chegar até si através da porta ou das janelas da sua casa?
Raramente olha para a rua cinzenta onde mora. Os vizinhos já os conhece de ginjeira. Só se for a campainha da porta a tocar e a anunciar os fiscais dos impostos, as testemunhas de Jeová, o canalizador com a conta de 7 mil e duzentos euros para pagar, ou a Vanessa lá do escritório. 
Pelas janelas, então , o infortúnio nunca se mostra. A menos que o passarinho de penas amarelas invada a sala e largue as demasias fisiológicas no tapete de Portalegre comprado com muito suor por si. Ou então que o preservativo do Sr. Antunes da mercearia seja lançado desde o apartamento da D. Manuela para uma aterragem de emergência no passeio da rua — com passagem obrigatória pela janela do escritório onde a filha adolescente do leitor costuma estudar. 
Caso o mal seja mais grave, tenha a ver com a esquizofrenia do cônjuge ou com a zanga definitiva da sogra, por exemplo, então nessa altura será melhor recorrer aos serviços de alguém experiente em tirar o diabo do corpo da vítima de tanto mal. 
O meu consultório fica situado na Avenida de Roma, número 676, segundo esquerdo, em Lisboa. 
Não há ninguém igual ao autor destas linhas.