terça-feira, 29 de setembro de 2020

Aniversário de Inês Matilde Barros


Lembro-me como se fosse hoje de conduzir 300 quilómetros na madrugada de uma má estrada, para chegar a tempo de ver nascer a minha filha. Tive outras vezes de me esforçar, não muitas, para estar no momento certo junto dela. Mesmo sem a cartucheira que um dia encomendei a pensar nos amigos da Matilde mas que nunca chegou ao destino. Também não foi preciso: ela soube ao longo do tempo escolher e cumprir o itinerário da sua vida. Está no terceiro ano de Direito na faculdade do país com a nota mais alta de admissão. Acho que vai ser juiz. Tem pinta disso. Se não for, que seja a única coisa que me interessa no seu percurso: a de ser feliz.
Tinha jurado não mais escrever estes postais de aniversário. Mas é difícil resistir. A tarde torna-se noite, o papel em branco, e a promessa a mim mesmo a escapar entre os dedos que escrevem estas palavras. 
A fotografia? Descobri-a, entre uma profusão delas, destinadas segundo parece a um cartaz que por aí circulou da Matilde presidente, nem sei bem de quê. 
O que eu quero para a noite de hoje? Sabê-la apaixonada pela vida, pela mãe, pelos irmãos e pela Vodka. E, vá lá, por mais alguém que ela esteja certa de a merecer. 
Parabéns pelos 20 anos, querida Matilde. E não digo mais nenhuma palavra nem vou reler o que acabei de escrever de um fôlego só. Sabes porquê? Porque não iria conseguir.  
Um beijo, meu amor.

domingo, 27 de setembro de 2020

O mar da Foz


O mar faz uma falta visceral na minha vida. O som, o cheiro, a cor, a imensidão de horizonte trazem-me calma. Confirmei-o ontem ao longo da Avenida Brasil, na Foz, enquanto caminhava. Quem desenhou esta artéria da cidade do Porto deve ter pensado em tipos como eu, preguiçosos, normalmente sentados atrás de uma secretária. É, com efeito, muito longa e plana. Com flores, piso liso, uma pérgola de betão armado belíssima e... eu. Eu e grupos de pessoas interessantes, todas elas — para casar, namorar ou ver o Eixo do Mal acompanhado. 
E ao lado de tudo isto, de forma majestosa e definitiva, o mar. Com os barcos à minha espera — um dia há-de ser — a desafiarem a constância do sítio onde nos encontramos. 
Eu próprio, ontem à tarde, durante a caminhada na Foz, se me perguntassem de onde era, acho que por momentos hesitaria e só passado o estupor inicial seria capaz de dizer a verdade: sou de perto do mar — mesmo quando estou longe dele.

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Adeus Verão

Vai pra dentro, ó Verão, que o Outono já chegou. E pró ano vê se trazes a perna que te falta. Ah! É verdade: fala com Deus Nosso Senhor a ver se não se esquece de trocar esse olho de vidro por um a sério.

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Ser professor nos dias de hoje


Era um jovem de 21 anos quando chegou ao liceu onde haveria de dar aulas até aos dias de hoje. Recebeu-o no seu gabinete austero, escuro da falta de sol e do mobiliário de pau-preto, o reitor que meses depois a escola saneou sem hipótese de defesa. Eram os tempos da revolução no país e no ensino. Nada ficou igual nas escolas de Portugal. Quando iniciou funções docentes tinha terminado o curso na faculdade de ciências do Porto. Curso de prestígio: matemática aplicada. Em todo o lado era respeitado. O senhor doutor como está, e a mãezinha está melhor? — perguntava o mais anónimo dos homens da cidade pequena. Depois... depois foi sempre a descer na na escala do prestígio social. Furaram-lhe os pneus do carocha, de uma outra vez taparam a abertura do tubo de escape com uma batata. Inventaram-lhe uma alcunha, o Hipotenusa, esperavam na esquina do corredor que a campainha tocasse, o professor com as mãos a servir de amparo ao compasso de madeira mais a régua e os mapas. 

Este é o último ano em que dá aulas. Não sabe se com alívio ou amargura. Ensinou milhares de alunos. Alguns escrevem-lhe e saúdam-no com alegria nas ruas. A maioria faz de conta que não o conhece. Os pais perguntam ao “stôr” se não tem vergonha em abotoar-se com o dinheiro dos impostos e traumatizar o João Pedro e a Constança. 

Falta pouco tempo, professor. Em Julho voltará à solidão definitiva da sala de jantar. A menos que entretanto a Covid-19 o leve consigo. O governo da nação agradecerá sensibilizado

sábado, 12 de setembro de 2020

A azémola encarnada


É verdade que todos nós já erramos muitas vezes ao longo do tempo. Às vezes nas coisas mais básicas. Mas aquilo que desde ontem se tornou notícia ultrapassa quase tudo: António Costa integra a comissão de honra da candidatura de Luís Filipe Vieira. É verdade que o Benfica é um Estado dentro de um Estado. Tem tanta importância simbólica para os portugueses emigrantes em França ou para aqueles que fizeram a Guerra Colonial como a Nossa Senhora de Fátima. Debaixo da sua bandeira ninguém pode ser preso ou sequer acusado pela justiça. Só depois de deixarem de exercer funções no clube poderão então ser incriminados. Foi isso que toldou a capacidade de discernimento do político mais habilidoso da história recente de Portugal. Bastava ter considerado o facto de Vieira estar a ser investigado em demasiados casos. E de aquele informático de Gaia continuar a acossá-lo com cobertura internacional.
Para além de que esta comissão de honra é conhecida na semana em que Ana Gomes anunciou a candidatura a Belém. 
Mas que burrice, Costa! O animal da foto nunca cairia numa coisa dessas. 
É por isso que cada vez tenho mais respeito pelas azémolas.

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Vicente Jorge Silva


A minha grande paixão em termos de actividade pública foi desde sempre o jornalismo. Desde muito pequeno devorei os jornais e as revistas que se cruzavam no meu caminho. A admiração pelos jornalistas (e pelos escritores) é deste modo fácil de explicar. A vida toda foi preenchida pelos jornais e pelas noites inteiras a fazê-los. 
Nos últimos tempos tenho andado muito pessimista em relação à profissão de jornalista. E tudo porque o jornalismo, em particular o português, dá ares de estar em agonia sem retorno. O fim da escrita que contava o que se passava e falava das pessoas, dos seus problemas, sem qualquer intenção encomendada, está a acontecer dia a dia. 
Hoje, 8 de Setembro de 2020, foi espetado um dos últimos pregos no caixão que há-de levar até à tumba esta admirável profissão - pelo menos tal como a conhecíamos. A morte de Vicente Jorge Silva, ocorrida esta madrugada, é mais do que um sinal. É o fim de uma era que dificilmente será revertida.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

A revolta das mulheres


— Vá, ordem no galinheiro. Meninas, estamos aqui para silenciar aquele conselheiro filosófico de aviário que anda a escrever acerca do sacrifício de ser homem. Isto não pode continuar assim, o tipo é misógino e chauvinista. Vamos mandar uma petição para o Dr. Ferro Rodrigues e para a Isabel Moreira que eles põem-no a falar fininho! O raio do homem...