segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Ser professor nos dias de hoje


Era um jovem de 21 anos quando chegou ao liceu onde haveria de dar aulas até aos dias de hoje. Recebeu-o no seu gabinete austero, escuro da falta de sol e do mobiliário de pau-preto, o reitor que meses depois a escola saneou sem hipótese de defesa. Eram os tempos da revolução no país e no ensino. Nada ficou igual nas escolas de Portugal. Quando iniciou funções docentes tinha terminado o curso na faculdade de ciências do Porto. Curso de prestígio: matemática aplicada. Em todo o lado era respeitado. O senhor doutor como está, e a mãezinha está melhor? — perguntava o mais anónimo dos homens da cidade pequena. Depois... depois foi sempre a descer na na escala do prestígio social. Furaram-lhe os pneus do carocha, de uma outra vez taparam a abertura do tubo de escape com uma batata. Inventaram-lhe uma alcunha, o Hipotenusa, esperavam na esquina do corredor que a campainha tocasse, o professor com as mãos a servir de amparo ao compasso de madeira mais a régua e os mapas. 

Este é o último ano em que dá aulas. Não sabe se com alívio ou amargura. Ensinou milhares de alunos. Alguns escrevem-lhe e saúdam-no com alegria nas ruas. A maioria faz de conta que não o conhece. Os pais perguntam ao “stôr” se não tem vergonha em abotoar-se com o dinheiro dos impostos e traumatizar o João Pedro e a Constança. 

Falta pouco tempo, professor. Em Julho voltará à solidão definitiva da sala de jantar. A menos que entretanto a Covid-19 o leve consigo. O governo da nação agradecerá sensibilizado

Sem comentários: