domingo, 27 de agosto de 2023

Vou ser biomédico (ou bioengenheiro, ainda não sei bem...)



Não digam a ninguém, mas este fim-de-semana fui admitido na faculdade de engenharia e no instituto de ciências biomédicas Abel Salazar, na cidade do Porto. Vou estudar num curso que é leccionado pelas duas instituições de ensino. Área de ciências, portanto.


Sou o primeiro da família em muitos anos a largar, ainda que de modo provisório, as letras. O mundo tecnologizado à força da não sobrevivência económica a isso me obriga. Mas nunca deixarei de escrever. Se não o fizesse nada mais faria sentido nem sequer a vida. Até porque não entenderia coisíssima nenhuma. Nem de mim nem dos outros. 


Entretanto vou aprender. Há muitas coisas que quero descobrir. 


Sem nunca perder de vista o saco azul onde se guarda o dinheiro. Procurei entre os cursos aquele que mais proventos me pudesse proporcionar em termos profissionais. A carreira médica parece que está a ser transformada em qualquer coisa de parecido com a dos professores, a Filosofia já não garante verdade nenhuma, a Literatura está lotada de escritores-promessa, resolvi então escolher Bioengenharia.


Eu explico aos mais surpreendidos: vou rejuvenescer o rosto das senhoras da Foz e do Monte Estoril com pele nova produzida a partir das moléculas delas mesmo. Querem melhor? Quem é que está a telefonar, D. Lurdinhas? O gerente da Caja Azul? Diga que não estou. Fui depositar dinheiro ao Banco da Letónia.


Vai ser assim o tempo todo.


domingo, 20 de agosto de 2023

Viana em festa



                
                    
                                             
                                                                                                                                                                             


Ao fim da tarde, na Praça da República, Viana reúne-se para dançar ao som das concertinas o vira, o malhão e a gota. Gente de todas as idades, de diferentes condições económicas (e não só), irmanada na vontade de festejar o Agosto da festa. 

É assim a capital do Alto-Minho, briosa dos seus costumes naquela que é considerada a maior romaria portuguesa. 

Um dado curioso: nada disto dá mostra de abrandamento de ano para ano. Pelo contrário. 

Mesmo entre os jovens há renovação constante, os bebés vestidos com o traje à vianesa, as crianças a tentarem dançar as músicas tradicionais de Viana. 

 

Fotografias: FSBB

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Voltar a ser de Viana



Os dias passam iguais, clientes a discutir connosco, os filhos a reclamarem atenção,  o trânsito em fila compacta, os vizinhos do 6º esquerdo a contestarem a má educação do prédio e, de repente, é Agosto, a cidade grande a entrar de férias, as praias do Algarve reclamadas pelos miúdos na primeira semana e, por fim, Viana.


A Romaria da Nossa Senhora D’Agonia está quase a começar. Quem não tiver vivido no Alto-Minho não entende nada disto. Sorri da preconceituosa rusticidade destas terras e abandona-se por momentos na marquise que delimita a gaiola onde vive.


Pensa que sabe e não sabe nada. Aqueles que não se relacionam, nem que seja em pensamento, com o espaço, o sítio onde fomos e onde, de algum modo, sempre seremos, não se conhecem. A identidade que passamos a vida a procurá-la, quase sempre sem sucesso, fica coxa, amputada da razão de ser.


Assumir a identidade de ser de Viana no mês da festa é o melhor que nos pode acontecer. Não pela festa propriamente dita, mas pelas ruas que voltamos a percorrer e pela visão dos rostos dos homens e das mulheres com quem partilhamos dias e noites, muitas vezes sem os conhecer, mas que o sentimento de geração aproxima hoje mais que antes.


Alguns continuamos a acompanhar na televisão a debitar opiniões sobre tudo, outros vemo-los nas inaugurações apadrinhadas pelo senhor presidente ou pelos membros do governo. Muitos esqueceram Viana. O mundo deles passou a ser outro e nele não tem lugar o chão verde e azul da terra original.


Idiotas. Não percebem o básico nestas coisas da identidade. O reconhecimento nacional acontece se houver antes o do lugar onde se nasceu. Só é considerado ilustre aquele que tem história, tem tempo percorrido nos caminhos de casa, da escola, dos amores primeiros. Dessa forma, poderá acalentar o desejo de ser recebido com banda de música e foguetes no largo principal. 


Há tantos que assim não fizeram e que caíram no esquecimento regional e nacional. O melhor é nem referir nomes porque seria uma lista muito extensa.

 

Mas para além das ruas revisitadas e das pessoas que frequentavam os mesmos sítios há uma realidade cuja importância ultrapassa as outras: a família e a sala e os corredores e os quartos da casa-mãe. E os homens e as mulheres, ainda novos, que habitavam aqueles espaços. 


Nas marquises das cidades grandes não vivem as pessoas da casa de família. A maioria nem saberia utilizar o metro que vai do Terreiro do Paço aos Restauradores. E, no entanto, foram eles que nos criaram e ensinaram tanta coisa.


As Festas da Senhora D’Agonia também servem para isto. Para os reencontrar, vivos ou mortos, eles estão lá de todas as formas possíveis. Nunca nos abandonarão enquanto houver Viana, a Amália cantar Homem de Melo, os barcos continuarem a sair da barra levando de passeio os santos da sua devoção, as mulheres jovens de pele bronzeada da praia envergarem os trajes de suas mães.


E assim prossegue Viana. Terra a quem a natureza proporcionou as melhores condições possíveis para o desenvolvimento. Infelizmente, décadas de inação e de decisões políticas erradas condenaram a cidade e a região à estagnação, isto se tivermos em conta o crescimento das outras cidades minhotas. De todas. 


Por isso é que desta vez resolvi escrever sobre os vianenses que vivem noutras terras. A especificidade dos atuais cursos universitários – os que Viana não tem –, a maior especialização requeridas pelas grandes empresas – as que Viana (salvo raras exceções) apenas conhece pelo que a televisão mostra – conduziram à transferência do viver das pessoas para as casas prolongadas pelas marquises.


Um dia destes ainda vou de TGV com a Senhora D’Agonia em 1ª classe até à estação de Viana.

 

(Estou muito reconhecido ao Dr. António Pimenta de Castro – a quem o destino recente fez dele uma espécie de irmão meu – por, entre outras coisas, ter escrito um texto sobre o meu querido pai (morreu em 2022), jornalista e entusiasta de Viana e do Alto-Minho, na publicação A Falar de Viana, coordenada pelo amigo e diretor da Biblioteca Pública de Viana do Castelo, Dr. Rui Faria Viana, a quem também agradeço)

domingo, 13 de agosto de 2023

Não sou a estrela que guia a Carminho


— A querida sabe bem o quanto a aprecio como mulher e fadista, mas desta vez exagerou na canção que me dedicou: eu não sou “a estrela que guia” o seu coração. Infelizmente, só sei trazer a noite ao amor das pessoas. De qualquer forma, se vir a D. Lurdinhas, fuja…