sábado, 29 de dezembro de 2018

Festas felizes


O Natal já acabou. É pena. Era lindo o Natal deste ano. Desceu pela chaminé, pé ante pé, a julgar que o perfume que trazia não ia denunciar a sua presença. Como se chama? — perguntei eu. Soraia de Natal e Chaves — disse com voz de cópula de amor. Hesitei. Devia dar a mão num cumprimento formal ou beijá-la? Decidi-me pela pela segunda hipótese. Dei-lhe um beijo rápido na mão. E o que vem aqui fazer? Vim entregar-lhe a prenda deste Natal — respondeu. Foi mesmo ali, na sala iluminada pelo fogo da lareira, que comemorei o nascimento de Deus Nosso Senhor. Rezando eu e ela à paz no Golfo Pérsico e na Guatemala. Foi lindo o meu Natal. 
Agora vem o Ano Novo. E a noite dos Reis. Já mandei limpar a chaminé. Sabe-se lá se o meu coração não vai ser assaltado outra vez.

sábado, 15 de dezembro de 2018

O bebé que não gostava de televisão


Rui Zink premonitório nesta obra-prima da literatura infantil: A Matilde, naquela altura com apenas dois anos de idade, ainda gostava de televisão. Hoje, caloira de Direito, já não gosta. Da mesma forma que os irmãos mais novos nunca chegarão a saber o que foi um dia a televisão. Nem eles nem todos os outros que têm a mesma idade. A televisão para eles é algo que integra uma plataforma de comunicação distribuidora dos diversos conteúdos em streaming. Possibilitando que cada um veja o que quiser às horas que quiser (é escusado pensar em ir ao cabeleireiro e falar do concurso transmitido no dia anterior). Dando, deste modo, ao indivíduo autonomia e também solidão. E assim vai o mundo.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Cavalinho de romaria


Foge cavalinho, foge... desse carrossel em que te aprisionaram, curva perpétua de uma vida sempre igual, vertigem da mentira que nunca se tornará verdade.
Salta da pista e lança-te na planície sem fim -- espaço de liberdade onde persigas a esperança de encontrares o amor, a natureza, a felicidade. Num horizonte sem fim e sem música de romaria. 
E se puderes, cavalinho, leva-me contigo, prometo-te o silêncio e a paz de que tanto precisamos.

domingo, 9 de dezembro de 2018

Violoncelo com corpo de mulher


Eu tinha um violoncelo. Era castanho, da cor da madeira. Cheirava a sândalo e todos o invejavam. Quando dedilhado nas cordas a música que dele se ouvia pedia meças ao som do mar. 

Resolvi envolvê-lo num vestido preto a ver se o subtraía à cobiça. Em má hora o fiz. Olhá-lo passou a ser o mesmo que ouvir as sinfonias de Beethoven sem ninguém as tocar. O violoncelo a cheirar a sexo e a sândalo nunca mais foi só um violoncelo. 
Fiz então aquilo que me pareceu mais eficaz para afastar a volúpia dos meus amigos da onça. Tirei da santa que casou comigo o colar que um dia lhe ofereci. Só assim conseguiria transformar o alvo do meu transtorno numa senhora de casa, cuidadora do marido e dos filhos que havia de ter. 
Idiota de mim. Quando percebi que a mulher-violoncelo a cheirar a sândalo, vestido negro a realçar-lhe as formas, seios de leite prontos a alimentar a prole, era mais explosiva que a bomba de Hiroshima, já era tarde. Já estava a cuidar dos filhos dos outros.

TEXTO: Francisco Sérgio de Barros e Barros
FOTOGRAFIA: Fátima Vicente Silva
CURADORIA (da iniciativa de juntar textos a trabalhos de fotógrafos portugueses reconhecidos): Maria Helena da Bernarda 

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

No Dia Internacional do Homem


Tu, meu desgraçado, que sofres sem o poderes demonstrar quando fazes um filho que à luz da lei nunca será teu, nem sequer se há-de nascer ou não a tua opinião conta, que disfarças a raiva quando chega o correio da empresa de crédito fácil que nunca pediste, na dúvida de fazeres feliz a Patrícia que te deixa a ver o Bruno de Carvalho na televisão e vai sozinha para o casino da Póvoa, que tens de estar sempre pronto para transpor o regaço de todas as mulheres, incluindo a vizinha do 3* andar e a irmã da Patrícia, e se não o fizeres és expurgado da comunidade, e se o fizeres também, que és obrigado a gostar da equipa de futebol da capital do império que já não existe, e de oferecer flores mesmo sabendo que não é aquilo que a Teresa quer, o que ela queria mesmo era o Bentley que viu no cinema, que te sentes constrangido a ouvir de braço no ombro da Carolina aquele cantor de Karaoke chamado Michael Bublé, que deves ser competente no jogo da sedução mesmo que não te apeteça jogar, que convém usares gravata na canícula do Verão e gostar de sushi mesmo que salives só de imaginar um cozido à portuguesa, que tens de ser homem e sempre homem, sem vacilar sem chorar, comemorando o facto de o ser apenas uma vez no ano, no dia 19 de Novembro, quando és finalmente autorizado a banhar-te no mar e a sentar na esplanada sozinho. Não é fácil ser homem nos dias de hoje, eu sei. Tem calma. A vingança serve-se fria. 

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

A profissão de professor

A professora e os seus alunos. Um bando de miúdos ao redor da mulher que ensina as primeiras letras. Não é fácil fazer-se ouvir. Naquela sala vêm parar todos os problemas do bairro, da cidade, da vida. 
Ser professor é cada vez mais uma tarefa inglória. Porque nem sempre é compreendida e ainda menos reconhecida. Veja-se o caso do governo do nosso país: o que conseguiu junto daqueles profissionais, sem a opinião pública se dar conta, foi aproveitar a presença da troika e demitir os que tinham menos de 50 anos, para depois fazer um novo contrato estabelecendo um ordenado que equivale a metade do que por lei deveriam estar neste momento a ganhar. 
Virando a população contra os seus professores. Chamando-lhes de privilegiados, mandriões, grevistas permanentes. 
E eles iguais a sempre. A fazerem com que o sector da educação seja o que mais evoluiu nas últimas décadas. Contribuindo para a formação de novas gerações cada vez mais bem preparadas, a dar cartas cá dentro e lá fora. 
Triste profissão. Por isso é que ninguém a quer. Vamos ter de esperar por mão-de-obra barata, oriunda de África e da América Latina, para ensinar os nossos filhos e netos. Lamentável tempo aquele que aí vem em matéria de educação.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Hockney revisitado

“Estou tão feliz. Eu e a Vodka na sala depois de um dia de trabalho no escritório. Parece um quadro do Hockney. E daí... nunca ele pintaria coisa alguma sem a presença de um homem a abrilhantar a cena. Aqui não teria sorte. O meu Francisco Sérgio está na cozinha a fazer o jantar. Temos pena, não é Vodka?”

domingo, 4 de novembro de 2018

Cidade grande


Só. Nesta cidade grande em que não me reconheço. Longe de tudo e cada vez mais de mim. Só. O metropolitano a fugir e eu a correr atrás dele. A cidade grande nunca chega a tempo. De quebrar o silêncio quando a melancolia pede festa. De sentar na mesa ao lado a mulher que ri de todos. Do cumprimento afectuoso do director-geral que nunca nos olhou. Só. Não era isto que eu queria da cidade grande. Queria ser reconhecido. Estar perto de tudo. Do teatro e do rio. Do centro do mundo. Só. E eu cada vez mais longe de mim. E da minha cidade pequena que não me reconhecia mas conhecia. Só.

 

TEXTO: Francisco Sérgio de Barros e Barros
FOTOGRAFIA: Fátima Vicente Silva
CURADORIA (da iniciativa de juntar textos a trabalhos de fotógrafos portugueses reconhecidos): Maria Helena da Bernarda 

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Chega p´ra lá


“Não, não te quero mais... nem eu nem ninguém, não conquistaste nenhuma das minhas amigas, não tens noites por contar, és muito direitinho em tudo que fazes, não discutes com o teu chefe, ganhas há anos a fio o mesmo, até a fazeres amor... é sempre a mesma posição... não, chega bambino... bye, bye.”

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Maria Leonor de Brandão Ferreira e Barros

Alguns de nós estão mais em viagem do que outros. O caminho que aqueles fazem é mero caminho. A meta ainda está longe. A estação em que pararam agora é apenas prenúncio de muitas outras que hão-de chegar. 
Claro que esta nãé uma viagem qualquer, daquelas que se compram na internet. É a viagem de uma vida. Que se faz para descobrirmo-nos e escolhermos o resto do itinerário a percorrer. 
Nãé fácil. Acarreta riscos, decisões erradas, companheiros de peregrinação que nunca o deveriam ser. 
A Leonor, minha querida filha, que hoje faz 13 anos, está nesta altura a descrever uma das curvas mais difíceis do percurso. 
Vai em trânsito de uma estação perdida nos montes brancos em direcção ao Evereste. É um tempo e um espaço de transição, de modificações rápidas, de dilemas para os quais não temos resposta. 
Nada que inquiete a Leonor. Ela nasceu para vencer o que é difícil. Sem fazer alarde de nada. Discreta em quase tudo. Por isso é que encontrar uma fotografia dela é tarefa inglória. Nem os professores que a avaliam com cinco a tudo a conhecem. 
Só eu e muitos poucos mais sabem. É um diamante por lapidar. O segredo mais bem guardado lá de casa. 
Dona de um sentido de humor apurado, terna (quando não luta com o irmão), perspicaz, quase adulta em muitas coisas. 
Nunca a vi estudar — penso que o faz no remanso do escritório ou do quarto, longe da vista dos outros — toca clarinete na banda e violino na orquestra do conservatório. 
Escreve bem, é criativa em tudo que faz, seria por certo uma boa aquisição para a Sonae, NASA, Abreu Advogados, Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), Casa da Música, Museu Nacional de Arte Antiga. 
Ou então, caixa de supermercado, casada com o Sr. David, presidente da junta de freguesia do Soajo, mãe de três filhos sempre com ranhos no nariz e muitíssimo feliz. 
Todo o tempo com o pai ao lado. Quer dizer, a 1000 quilómetros de distância, mas perto do coração da Leonor. 
Gosto tanto de ti, rapariga. Mais do que de mim. Tu és aquilo que eu deveria ser. E isso para mim é muito. 
Parabéns, minha adorada Leonor. Que a vida te abençoe sempre.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Viagem no Alfa


A paisagem a correr veloz, os olhos da jovem a quererem fixar o instante, as cores a não se distinguirem, o nariz dela encostado ao vidro, o pai sentado a ouvir Liszt nos auscultadores, “jantar no vagão-restaurante” diz o homem do comboio, Aveiro nunca mais chega, a menina não gosta de Liszt, anda a ouvir vezes sem conta os Future Island, as terras correm iguais atrás das carruagens, a memória da mãe que ensinava na universidade de Aveiro e que esperava sempre pelos dois na estação, o mar da Barra forte e grande a brincar com ela no Verão, a mãe antes de morrer sentada na areia a olhar para a sua menina, o comboio cruza-se a grande velocidade com outro, o pai pega num jornal de economia, o nariz a despegar-se do vidro, a menina vai levantar-se e andar, as aldeias feias pararam de correr, não há-de demorar muito a chegar a estação de Aveiro.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A Dona Lurdinhas e a cliente moldava

— Está! Queria falar com o Conde de Viana...
— Tem consulta marcada?
— Minha senhora, venho de propósito da Moldávia para falar com o mago do amor!
— Isso a mim interessa-me pouco. Há aqui pessoas que vêm de Bruxelas...
— Mas foi o Conde que me disse para esperar por ele na esplanada.
— Menina, não brinque comigo. Todas as consultas têm que passar por mim. 
— Ai é? Vou fazer queixa à Deco e à Dra. Ana Avoila. Como é que se chama a senhora?
— D. Lurdinhas.

domingo, 7 de outubro de 2018

Coração de Viana

               

Duas nota preambulares necessárias para a compreensão das linhas que se seguem: sou de Viana e sempre gostei de mulheres muito femininas, muito compridas e curvilíneas, com um cabelo bem tratado -- à espera de ser acariciado --, enfim, uma boneca igual às que se vêem expostas nas prateleiras das lojas. 
Não estão a ver? O melhor é eu exemplificar com alguém conhecido. Ora então... pensar professor, pensar... já sei! A Cuca Roseta. 
Não sei se será uma insuportável chata no contacto diário, mas que é gira, lá isso é...
E eu com isso... dizem os leitores! Pois é mesmo aqui que eu queria chegar, a Viana e à boneca. É sabido que boneca que se preze veste saia. A saia levanta-se devagar às ordens dos dedos; as calças não, abrem-se quando o assexuado fecho-éclair assim determina. 
E a saia que a Cuca Roseta usou no espectáculo deste fim-de-semana em Antuérpia é um autêntico sonho. “É parecida com alguma que já vi!”, pensam os leitores mais distraídos. 
Pois parece-se, mas não é. Nasce da inspiração de um povo mas resulta da reformulação bem conseguida do traje à vianesa. De Viana, portanto. Juntando duas coisas de que gosto: Viana e a Cuca boneca. 
Não é a primeira vez que ela usa coisas da minha terra. Os brincos com o Coração de Viana ficam-lhe a matar. Quer dizer, a matar-me. 
Fica apenas a faltar ouvi-la cantar o hino de Pedro Homem de Mello e Amália Rodrigues: "Havemos de ir a Viana." Vou-lhe dizer isso quando nos encontrarmos em breve.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

A triste história da Rosa Grilo

Ó Rosa, o que te estão a fazer! A gente é má, mesmo sem alguma vez olharem verdadeiramente para ti. Se o fizessem descobriam o doce de mulher que és, o carinho, a bonomia que te caracterizam. Que culpa tens tu que o corpo do Luís fosse pesado e por isso precisasses da ajuda do teu amante para o transportar? As pessoas não sabem o que dizem. Razão tinhas tu quando pedias ao marido-atleta que “onde estejas, aguenta. Não vamos desistir e vamos encontrar-te.” Prometeste e cumpriste. És um amor, qual Asia Argento de Vila Franca de Xira. Menos sofisticada mas mais resoluta — isto dos paninhos quentes só serve para adiar o problema. 
O pior vai ser agora: “Difícil é imaginar o resto da nossa vida sem ele”, dizia a Rosa para quem a quisesse ouvir. Tem calma, querida. 

sábado, 15 de setembro de 2018

Fim do Verão

E por um momento o Verão parou. Fez epoché ao sol e ao calor. Convidou o nevoeiro a juntar-se à cena. Convicto do desagrado dos que passeiam na Foz do Porto. Verão imberbe. Não sabe da natureza humana que gosta da mudança. De estar e deixar de estar. De ouvir ao fundo o ronco dos navios que se aproximam do nevoeiro. Da paz do fim da tarde confirmada pelo som das gaivotas. Dos homens e das mulheres que para se verem têm de estar mais juntos. Das crianças que vivem a aventura marítima do cabo do Bojador.
E o barulho das ondas ao fundo a rir-se da ingenuidade do Verão. E eu a adorar tudo isto e o cheiro da maresia.
Agora mesmo no Porto. Agradecido ao mar pela paz que sempre me traz. 

domingo, 12 de agosto de 2018

Anthony Bourdain

Ontem vi um dos programas do Anthony Bourdain. E lembrei-me das circunstâncias da sua morte. Há anos que vejo defendido em muitos artigos e livros de pendor filosófico o relacionamento livre entre um homem e uma mulher. E leio aquilo com enorme desconfiança. Tudo por causa do amor. Será que mesmo seguros de nós mesmos suportamos qualquer acção que a liberdade do outro persiga?
Bourdain teria vivido ao longo da vida episódios de depressão. Mas isso não explica tudo. Ou muito pouco. A paixão que dedicava à actriz Asia Argento não era coadunável com aquela espécie de acordo que fizeram, quais pássaros livres a voarem em espaços diferentes, “sem fronteiras de relacionamentos tradicionais”. 
Quanta ingenuidade, Bourdain! Os homens ainda não estão preparados para a sociedade feminista. Além de que são menos fortes porque menos independentes do que as mulheres. 
Ao mínimo gesto chauvinista da fêmea soçobram. Bourdain era invejado, idolatrado mesmo, por muitos. No entanto, perante a notícia de um flirt qualquer da fogosa Asia decidiu desistir de si, da filha de 11 anos, das delícias da mesa e do mundo. E a verdade é que o acordo firmado num momento de amor entre os dois previa tudo isto...
Para uma reflexão mais sustentada e demorada sobre o tema, atendo em consulta todos os dias de Segunda a Sexta. Basta marcarem com a minha assistente, a D. Lurdinhas

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Rapazes e raparigas


Vai longe esta rapariga. Muito longe. Tem o mundo na mão. O mundo e os inaptos dos rapazes. Coitados. O tempo deixou de ser deles. Nem sabem quem são, onde estão, o que vai ser deles. E a rapariga bonita a lançar o fumo do cigarro para cima da cara dos mancebos . O dístico “reservado” a rir de todos. Reservado para quem? Para ela, naturalmente. O problema é se, contrariando o destino, acabar um dia sozinha. Ou então a arrastar a beleza, entretanto enrugada, pelas esplanadas da vida. À procura de quem lhe dê só mais um cigarro. Por agora. 

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

O casamento

 

Dizem que o casamento é a melhor instituição alguma vez inventada pelo ser humano. Talvez tendo em conta que tem servido de estrutura formal sobre a qual assenta a sociedade. Pelo menos alguma dela. 
O problema é que relacionado com o casamento está ou pode estar o sentimento do amor. E este não foi inventado. Nasce connosco. 
Aqui reside a dificuldade disto. Se não fosse o amor tudo seria mais fácil. 
Gostava-se de alguém naquela noite e estava-se com ela. No dia seguinte outra e outra. Ou então de modo diverso. A sala só para nós, as pernas estendidas no sofá. 
Mas não. A natureza quis-nos a sofrer e a rir de felicidade por causa do amor. 
Dou consultas sobre o tema todos os dias, de segunda a sexta. Para marcarem basta contactarem a minha assistente, a D. Lurdinhas.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

S/Título

S/Título, 2011

F. S. Barros e Barros 
Série: Mulheres
Técnica mista sobre o mar, 198x147,5 cm
Colecção particular

sábado, 14 de julho de 2018

A caminho do Algarve

Estão todos sentados? A camioneta vai partir. O Algarve espera-nos. Dona Rosário, o seu neto ficou com a madrinha? E o Sr. Albano, já esqueceu a derrota do Benfica? Vamos que Albufeira não começa o Verão sem nós chegarmos. Estou a ver-vos aí ao fundo, a Mara mais o Tiago, o namoro é só mais tarde, portem-se bem, o mar não é aqui. E você que está a ler isto, de que é que está à espera? Tome assento. O motor da camioneta já trabalha. Partida. Vamos começar outra vez. 

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Fim de um tempo

E pronto, chegou ao fim o liceu. As aulas acabam hoje, logo à noite desfilaremos os nossos trajes de festa no baile de gala. 
Para trás ficam 12 anos de aulas, de tantas e tantas coisas que se transformaram em memória de nós mesmos. 
Entretanto um novo tempo está a chegar. Em Outubro estudaremos numa outra cidade, numa universidade que será a porta de entrada num mundo novo. 
Na certeza de que algumas portas se fecharam já. Mas muitas outras estão ainda por abrir. 
O sonho é para já uma imensa possibilidade. Poderemos vir a ser muitas coisas. Médicos, engenheiros, presidentes de câmara, empresários, técnicos de muitas máquinas. Tudo menos professores. Isso não. E, principalmente, homens e mulheres felizes.  
Com uma saudade danada dos tempos de liceu que agora deixamos para trás. Um dia vamos perceber tudo isto. Nessa altura recordaremos o rosto quase esfumado na lembrança dos nossos colegas, o cheiro das salas de aula, o nascimento de um sentimento que desconhecíamos — o amor —, o Descartes, o Pi, o professor de francês, os 17 anos.  
Só aí seremos verdadeiramente caloiros de um tempo de sabedoria e de vida adulta. 
Enquanto esse tempo não chega o melhor é aproveitar o mais possível a segunda etapa da vida de homens e mulheres que agora iniciamos. 
Até sempre, liceu!

sábado, 5 de maio de 2018

Eu e o ténis


Não tem interesse, mas digo-vos na mesma: finalmente assumi o ténis como um assunto sério na minha vida e faço dele passatempo. À conta disso tenho tentado recuperar a memória mais recente da modalidade. E, naturalmente, dos seus melhores praticantes.
Em primeiríssimo lugar o inigualável Bjorn Borg, depois o fleumático Ivan Lendl e a poderosa Martina Navratilova.
A propósito dela, que saudades senti ao ver fotografias do seu casamento com Julia Lemigova, antiga Miss Rússia.
Não há dúvida, isto de ser miss traz muita sorte... 

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Rádio Zoela


Todos o sabem: a vida não é uma linha recta, contínua, linear. Ela percorre curvas, cruzamentos, caminhos de terra batida, ziguezagues sem fim, auto-estradas sem portagem e, por vezes, arranca em obediência aos semáforos verdes. Nessas alturas, quanta alegria!, o mundo parece-nos ter saído no Euromilhões. Tudo em nós estremece de euforia.  

Foi o que aconteceu quando vi o meu filho Henrique a falar aos microfones da rádio que eu inventei, a Rádio Zoela (estás aqui estás a levar com ela!). 

A sensação é indescritível. A mãe do Henrique é jornalista da televisão, está a dizer coisas no ecrã e ninguém liga nada.

Noutro dia, um grupo de rapazes atirou ao ar — literalmente — a distinta progenitora em pleno directo televisivo. Então sim, foi um festival lá em casa. 

Por um momento nem quiseram saber dos YouTubers. 

Se a vida fosse a tal estrada plana nenhuma desta coisas faria sentido. Mas não é. De tal modo que não sei se verei o Henrique um dia a beijar uma rapariga linda, a escrever no jornal do avô, ou a ter a cabeça do emplastro encostado ao seu ombro num qualquer directo televisivo. 

Mas nada disso será igual em termos de vertigem feliz ao dia em que ele falou aos microfones da Rádio Zoela. Ah raio de rapaz! É danado o meu filho! Espero sinceramente que se um dia fizer uma revolução não pare no semáforo vermelho.

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Coitadas

O Sr. Dr. Barros e Barros, ontem à noite, quando chegou ao Chiado.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

À GUISA DE EXPLICAÇÃO (E depois de alguma polémica)

Em 1* lugar importa dizer que gosto de pessoas. De todos os géneros. Se possível das que são mais diferentes das outras, que possuam algo que lhes é próprio.

E entre entre essa amálgama humana, verdade seja dita, as mulheres ocupam um lugar especial na atenção que dedico ao que vive em minha volta. Porquê? Nem eu sei bem. 

Uma coisa é certa. Nada é tão bonito quanto o ser feminino. Nem igrejas, nem esculturas, nem montes e vales e os rios que neles serpenteiam. 

Claro que esta é apenas a minha opinião. Tão pouco válida como qualquer outra. Há gente a sentir verdadeiras paixões por selos, por flores, por cavalos. 

Eu não sou bem assim: a minha cidade de eleição é Florença, não tanto pelos belíssimos monumentos que a caracterizam, antes sim pelas mulheres que desfilam naquelas ruas cheias de história com vestidos de alta costura e o sorriso de vitória a embelezar-lhes o rosto. 

Uma última nota, esta de carácter mais pessoal — os homens nunca gostaram de mim, sempre me fizeram mal. As mulheres desde aquele dia em que me escolheram para delegado de turma no liceu não mais deixaram de me proteger e mesmo às vezes de me amar. 

quarta-feira, 18 de abril de 2018

À espera


O Eng. José Sócrates, no seu apartamento de Paris, à espera do início do julgamento do Processo Marquês, no ano da graça de 2038.

sábado, 14 de abril de 2018

A propósito do dia do beijo


Só hoje posso dizer-vos, caros aprendizes, e a pedido de muitos, como se deve levar a bom termo o ósculo amoroso. Eu sei que a comemoração era ontem mas passei as últimas 24 horas em Damasco, numa operação ultra-secreta, e nem do beijo me lembrei. 

Vamos lá então: O cavalheiro deve aproximar-se delicadamente do rosto da senhorita e solicitar a toma dos lábios. 

Respondido que sim, e perante aquelas protuberâncias carnudas entreabertas, o amante toca deslizando devagar o vermelho da sua boca na boca da mulher. Nessa altura ambos vão começar a sentir as línguas tímidas a procurarem-se e a secreção salivar a fazer de mar encapelado em dia de Verão. 

É então que os corpos devem aproximar-se ainda mais ao mesmo tempo que os seios fazem de rolo de máquina de escrever no corpo do cavalheiro. 

Resta à senhorita perder a vergonha que propriamente nunca teve e já nua de adereços normativos e outros ordenar ao macho tremeluzente que se dispa.

terça-feira, 27 de março de 2018

A menina Vera

Agente Policial - Como é que te chamas, minha filha?

Menina delinquente - Vera. 

A. P. - Sabes que caminhas nas trevas mas se acreditares no teu interior ainda estás a tempo de encontrar a Luz?

V. - Eu já lá fui uma vez mas o Benfica perdeu.

domingo, 25 de março de 2018

Mudança da hora


Não, não e não. Uma hora a menos! Mas quem se arvora em dono do tempo? Não gosto que usurpem o que é meu. Ainda não esqueci aquela vez que me roubaram um guarda-chuva caríssimo da Lacoste numa sala de professores. Ou que um docente catedrático atribuiu-me uma nota à frequência de Filosofia Social e Política sem sequer a ter visto. 

Não, comigo não. Numa hora o presidente Marcelo deixa de derrubar vinte pinheiros, a Marisa Matias de seduzir sete eurodeputados, a Joana de Vasconcelos de fazer pela milésima sétima vez o Coração de Viana, o Rui Veloso de musicar mais um poema do Carlos Tê, o António Costa de atrasar a sua ascensão ao cargo de chefe da Europa.  

Não, não e não. Uma hora é o tempo de ver as ondas do mar morrerem enquanto desenham os meus pés arregaçados na areia, é a página que se segue à outra e à outra para terminar de ler pela centésima terceira vez O Doidinho do José Lins do Rego, é o bocado da noite que me resta para procurar dentro de ti o grito que fará seres minha.

Nessa hora que nos querem roubar, o amor surgirá quando os teus olhos derem uma volta ao céu e a tua boca recuperar o vai e vem da respiração.

Será esse o tempo de pedirmos ao tempo que não ande mais. 

quinta-feira, 22 de março de 2018

Eu tinha prometido

E o que prometo cumpro. Hoje não vou falar de gatos. Vou falar de cães. E tudo porque malbaratam o investimento feito pelo Estado a pensar neles. Um WC que não utilizam. Chegam a alçar a perna pelo lado de fora e a regar de urina a estrutura exterior. Um desprezo. Já pensei em falar com eles e manifestar-lhes o meu desagrado. Tanto dinheiro dos portugueses deitado aos cães...

quarta-feira, 21 de março de 2018

O facebook, eu e os gatos

O prometido texto sobre os gatos é um dos mais difíceis que tive de escrever ultimamente. Por várias razões: exige argumentação complexa (filosófica mesmo), concisão nas ideias e polémica porventura desnecessária. O problema é que é no Facebook em que estamos nada do que atrás referi pode ser considerado atractivo para os seus utilizadores.
Vou por isso tentar ser o mais breve e linear possível no que a seguir escrever. 
Há duas correntes em discussão nos dias de hoje: uma que diz que ainda vivemos na modernidade e outra que afirma já termos mudado de paradigma e que atingimos a pós-modernidade.  
Esta segunda das visões interpretativas assegura que a racionalidade fragmentou-se e encaminha-se para o fim das visões sociais totalitárias. O advento da internet, do jornalista-cidadão, da democratização no acesso (e posse) dos meios de comunicação parece confirmar esta ruptura com a visão única da realidade de nós e dos outros. 
Sempre defendi que a interacção de ideias fomentada pelas redes sociais inevitavelmente traria vantagens para uma sociedade cada vez mais consciente, em virtude de as novas gerações configurarem um avanço na posse generalizada de instrumentos teóricos e técnicos. 
Por esta razão sorri sempre com desdém dos líderes de opinião que na televisão e nos jornais abespinhavam as redes sociais, como se só a opinião deles contasse. 
Há uns meses encontrei-me com Mark Zuckerberg no clube de Bilderberg. Disse-me ele que não desgostava do que eu escrevia mas para mantermos a hegemonia do pensamento e da moral globais sugeria temas menos disruptivos. 
Pedi-lhe para ser mais concreto. Ele então explicou: deve continuar a escrever para as mulheres (são os grandes consumidores do Facebook) mas não sobre as mulheres ou sobre o corpo delas. 
Não resisti a desafiá-lo para me sugerir temas. E então vejam só: comece pelos gatos, é sucesso garantido, depois vá progredindo sempre em torno dos assuntos aceites pela nova ordem global — a guerra na Síria, a crítica aos professores, a defesa dos interesses dos homossexuais, a condenação da importância nuclear da família, o elogio de um presidente da república que beije todos e defenda o interesse de alguns. 
Todos temas consensuais. 
A maioria dos leitores provavelmente não me conhece. Sou mau, cínico e defensor acérrimo da liberdade. 
Nos jornais já não se pode escrever de forma independente. Restam as plataformas digitais, pensava eu. 
Enganei-me. Vamos então escrever sobre gatos até o Mark se sentir enfadado. 
Por essa altura resolvi fazer a vontade solicitada há anos pelos meus filhos: aceitar um felino doméstico lá em casa.  
Chama-se Vodka e é uma gata. Foge e corre de nós e procura-nos a todo o momento. Os meus filhos chegam da escola e a primeira coisa que perguntam é onde ela está. Na semana passada perguntaram-me a medo: “Então, já gostas da Vodka?” Não disse nada. Que ingénuos! Sempre adorei animais. Aliás, o problema está exactamente aí. Gosto demasiado deles — sofro e divirto-me com eles como se eles fossem eu. Esse o motivo porque nunca os quis. 
Se uma prova disto mesmo fosse necessária basta olhar para as minhas mãos: arranhadas de conversar com a Vodka.  
De todos apenas o Sebastião não gosta dela (é o periquito lá de casa, que enviuvou há pouco tempo da Carlota, e sente a solidão e a sua vida ameaçadas pela gata). 
Ah, sim! O Sebastião e a minha inestimável assistente, a Dona Lurdinhas, que sempre que vem despachar ao meu gabinete vocifera baixinho sobre o aspecto das minhas mãos. 
Acerca dos temas a tratar proximamente no Facebook lembrei-me agora de um, consensual e condizente com a nova ordem global que todos queremos implementar: a necessidade de os jardins de infância funcionarem até às 23 horas para que os pais possam estar mais tempo nas empresas.  
Ora aí está.