quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Chega p´ra lá


“Não, não te quero mais... nem eu nem ninguém, não conquistaste nenhuma das minhas amigas, não tens noites por contar, és muito direitinho em tudo que fazes, não discutes com o teu chefe, ganhas há anos a fio o mesmo, até a fazeres amor... é sempre a mesma posição... não, chega bambino... bye, bye.”

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Maria Leonor de Brandão Ferreira e Barros

Alguns de nós estão mais em viagem do que outros. O caminho que aqueles fazem é mero caminho. A meta ainda está longe. A estação em que pararam agora é apenas prenúncio de muitas outras que hão-de chegar. 
Claro que esta nãé uma viagem qualquer, daquelas que se compram na internet. É a viagem de uma vida. Que se faz para descobrirmo-nos e escolhermos o resto do itinerário a percorrer. 
Nãé fácil. Acarreta riscos, decisões erradas, companheiros de peregrinação que nunca o deveriam ser. 
A Leonor, minha querida filha, que hoje faz 13 anos, está nesta altura a descrever uma das curvas mais difíceis do percurso. 
Vai em trânsito de uma estação perdida nos montes brancos em direcção ao Evereste. É um tempo e um espaço de transição, de modificações rápidas, de dilemas para os quais não temos resposta. 
Nada que inquiete a Leonor. Ela nasceu para vencer o que é difícil. Sem fazer alarde de nada. Discreta em quase tudo. Por isso é que encontrar uma fotografia dela é tarefa inglória. Nem os professores que a avaliam com cinco a tudo a conhecem. 
Só eu e muitos poucos mais sabem. É um diamante por lapidar. O segredo mais bem guardado lá de casa. 
Dona de um sentido de humor apurado, terna (quando não luta com o irmão), perspicaz, quase adulta em muitas coisas. 
Nunca a vi estudar — penso que o faz no remanso do escritório ou do quarto, longe da vista dos outros — toca clarinete na banda e violino na orquestra do conservatório. 
Escreve bem, é criativa em tudo que faz, seria por certo uma boa aquisição para a Sonae, NASA, Abreu Advogados, Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), Casa da Música, Museu Nacional de Arte Antiga. 
Ou então, caixa de supermercado, casada com o Sr. David, presidente da junta de freguesia do Soajo, mãe de três filhos sempre com ranhos no nariz e muitíssimo feliz. 
Todo o tempo com o pai ao lado. Quer dizer, a 1000 quilómetros de distância, mas perto do coração da Leonor. 
Gosto tanto de ti, rapariga. Mais do que de mim. Tu és aquilo que eu deveria ser. E isso para mim é muito. 
Parabéns, minha adorada Leonor. Que a vida te abençoe sempre.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Viagem no Alfa


A paisagem a correr veloz, os olhos da jovem a quererem fixar o instante, as cores a não se distinguirem, o nariz dela encostado ao vidro, o pai sentado a ouvir Liszt nos auscultadores, “jantar no vagão-restaurante” diz o homem do comboio, Aveiro nunca mais chega, a menina não gosta de Liszt, anda a ouvir vezes sem conta os Future Island, as terras correm iguais atrás das carruagens, a memória da mãe que ensinava na universidade de Aveiro e que esperava sempre pelos dois na estação, o mar da Barra forte e grande a brincar com ela no Verão, a mãe antes de morrer sentada na areia a olhar para a sua menina, o comboio cruza-se a grande velocidade com outro, o pai pega num jornal de economia, o nariz a despegar-se do vidro, a menina vai levantar-se e andar, as aldeias feias pararam de correr, não há-de demorar muito a chegar a estação de Aveiro.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A Dona Lurdinhas e a cliente moldava

— Está! Queria falar com o Conde de Viana...
— Tem consulta marcada?
— Minha senhora, venho de propósito da Moldávia para falar com o mago do amor!
— Isso a mim interessa-me pouco. Há aqui pessoas que vêm de Bruxelas...
— Mas foi o Conde que me disse para esperar por ele na esplanada.
— Menina, não brinque comigo. Todas as consultas têm que passar por mim. 
— Ai é? Vou fazer queixa à Deco e à Dra. Ana Avoila. Como é que se chama a senhora?
— D. Lurdinhas.

domingo, 7 de outubro de 2018

Coração de Viana

               

Duas nota preambulares necessárias para a compreensão das linhas que se seguem: sou de Viana e sempre gostei de mulheres muito femininas, muito compridas e curvilíneas, com um cabelo bem tratado -- à espera de ser acariciado --, enfim, uma boneca igual às que se vêem expostas nas prateleiras das lojas. 
Não estão a ver? O melhor é eu exemplificar com alguém conhecido. Ora então... pensar professor, pensar... já sei! A Cuca Roseta. 
Não sei se será uma insuportável chata no contacto diário, mas que é gira, lá isso é...
E eu com isso... dizem os leitores! Pois é mesmo aqui que eu queria chegar, a Viana e à boneca. É sabido que boneca que se preze veste saia. A saia levanta-se devagar às ordens dos dedos; as calças não, abrem-se quando o assexuado fecho-éclair assim determina. 
E a saia que a Cuca Roseta usou no espectáculo deste fim-de-semana em Antuérpia é um autêntico sonho. “É parecida com alguma que já vi!”, pensam os leitores mais distraídos. 
Pois parece-se, mas não é. Nasce da inspiração de um povo mas resulta da reformulação bem conseguida do traje à vianesa. De Viana, portanto. Juntando duas coisas de que gosto: Viana e a Cuca boneca. 
Não é a primeira vez que ela usa coisas da minha terra. Os brincos com o Coração de Viana ficam-lhe a matar. Quer dizer, a matar-me. 
Fica apenas a faltar ouvi-la cantar o hino de Pedro Homem de Mello e Amália Rodrigues: "Havemos de ir a Viana." Vou-lhe dizer isso quando nos encontrarmos em breve.