domingo, 20 de agosto de 2017

É hoje

 



- Lurdes, traz-me os calções de banho vermelhos. 
- (...)
- Hoje vou finalmente reencontrar-me com o mar. 
- É p'ra já, senhor doutor.

***

- És capaz de me dar uma sugestão de um sítio diferente, com pessoas realmente interessantes, onde não se fale só do clima e do vídeo-árbitro?
- Sou sim, senhor doutor, e o autocarro pára mesmo em frente.
- Levas-me a esse autocarro, Lurdes?
- Levo, claro.

***

- Tens mesmo a certeza que os calções vermelhos vão fazer sucesso?
- Sem qualquer dúvida, senhor doutor. Olhe, está aí o autocarro. E é da Barraqueiro. São aqueles de que o senhor doutor mais gosta. 
- Adeus, Lurdes. Diz à menina Sílvia Alberto que espere até ao meu regresso.
- E o que faço à Senhora Dona Catarina?
- (…)

 



O que pensam os outros de nós? Quem somos para eles? Kant falava-nos da impossibilidade de estarmos à janela a vermo-nos passar na rua. Em termos objectivos não vale muito a pena pensarmos nisso. Nunca nos conheceremos de modo absoluto.

Também não tem a importância que alguns dão. É verdade que os outros são o espelho de nós mesmos (Levinas escreveu maravilhosamente sobre isto). Mas quantas vezes somos vistos de forma deturpada. Umas vezes por culpa nossa; outras não. Interessa, por isso, fazermos uma introspecção daquilo que achamos de nós. Mas com verdade e espírito crítico.

Tantas vezes reflicto sobre mim. E nem sempre gosto das conclusões a que chego. É natural que assim seja. Não somos máquinas. Temos desejos próprios e gostos só nossos. 

Sei que sou egoísta, cínico, manipulador, egocêntrico, dissimulado. E outras coisas igualmente más. Mas não sou mau tipo. Tenho a certeza disso. Sabem porquê? Porque gosto dos outros. Muito mesmo.

Primeiro das mulheres, depois dos cães e por último dos homens. Claro que nem sempre respeitando esta ordem. Trata-se de uma generalidade e há pessoas excepcionais, que escapam a qualquer sistematização.

Vem isto a propósito das pessoas que me fazem companhia no Facebook – através de fotografias, dizeres, textos. Nem sempre me relaciono com elas tanto quanto mereciam. Digo sempre que sim, convencido que assim será, o tempo passa, outras tarefas e problemas aparecem, e o pedido de desabafo, de ajuda em alguns casos escorrega nas águas do rio que não aguarda por ninguém. 

E a minha vontade é estar com as pessoas. Abraçá-las algumas. Às vezes olho uma fotografia e o desejo de passar os dedos pelos cabelos daqueles seres é (quase) real. Por isso é que a D. Lurdinhas me faz tanta falta. Ela ordena o que para mim não tem ordem possível.

Moral deste desabafo: desculpem-me aqueles que têm mensagens por ver respondidas, pedidos a que não dei andamento. Não é por mal. Gosto de cada um dos amigos do Facebook. Se pudesse fazia todos felizes – ouvia cada um, desaparecia cumprindo o desejo daqueles que não gostam de mim, daria a mão à mão sem dizer nada ao mar e à lua, faria um filho a quem o quisesse. Por gosto, como diz a canção. Desculpem.

sábado, 19 de agosto de 2017

O cruzamento


A vida é uma longa viagem, percorrida através de caminhos de terra batida ou de autoestradas. Não é linear, não obedece a percursos predestinados. Muda sempre que a coragem, a derrota ou a vontade de mudança determinar. Nessas alturas deparamo-nos com o cruzamento. Obrigando-nos à situação mais difícil da tal viagem. A escolha. Do caminho a prosseguir, da capacidade de discernirmos acerca de nós mesmos.

Nas situações-limite queremos deixar tudo para trás, começar de novo. Como se isso fosse possível. A escolha acertada nasce da viagem já percorrida. Do que ela nos ensinou. Somos nós enquanto transformados pelo tempo e pelas vicissitudes da vida que podemos fazer uso da liberdade. Não é fácil. Muitos acham-se incapazes de olhar o mapa na procura do que está para vir. Mas têm que o conseguir. Para que a viagem ainda valha a pena.

Galgando as linhas da ferrovia em 1ª classe ou na carruagem das encomendas. Mas sempre de modo integral. Sem nada esquecido, apenas valorizando na proporção certa o que nos derrubou. Nem mais nem menos.

Se assim for, essa mudança de itinerário na viagem ainda nos vai fazer bem. Vivendo a liberdade de sermos nós na rua onde nascemos ou na 5ª avenida nova-iorquina.

Uma vez mais: inteiros, não lobotomizados de parcelas da viagem que ninguém tem o direito de nos expurgar. São as derrotas e as vitórias e os momentos assim-assim que nos tornam interessantes aos olhos dos outros e, principalmente, dos nossos.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Festas D'Agonia




Raras vezes a mulher é homenageada de modo tão expressivo como em Viana por este tempo de Agosto. São as Festas da Nossa Senhora D'Agonia. Esta noite as mulheres de Viana preparam o traje com que vão estrear a romaria. Com o fato completo ou uma simples blusa e os obrigatórios brincos demonstram o orgulho de serem desta parte de Portugal.

A História explica. Em Viana, por culpa da economia centrada na casa, tanto no espaço rural como na que decorre da faina marítima, o mando do dia-a-dia é feminino. A emigração dos anos 1960 e 70 fez o resto.

A consagração da mulher nas festas que começam amanhã é assim encarada como natural. A beleza do traje à vianesa (e não minhoto como os lisboetas chamam) é um prolongamento desta realidade de mando e de chieira.

Mas atenção: a roupa bordada com vidrilhos a imitar as estrelas e o ouro de ver a Deus não estão ao alcance de todas. Só daquelas que nasceram nas terras de Viana, que entregaram o coração a alguém do campo ou do mar dali e, na última das hipóteses, que mantêm alguma relação familiar com o passado alto-minhoto.

Não por uma razão de segregação: apenas porque só elas sabem vestir o passado celta de serem depositárias de uma alma própria.

sábado, 12 de agosto de 2017

Ferrari


Tem calma: a Ferrari vai fazer mais Sergios. Só para quem merecer. As mulheres mesmo mulheres, carinhosas sem serem peganhentas, sexuais sabendo além disso ler, companheiras só porque lhes apetece, com um corpo que é universo também. Aí vou aprovar.

domingo, 6 de agosto de 2017

Eu sou o Pablo Picasso

Arranjei-me para a praia num instante: foi só vestir os calções brancos que comprei na Hermès e pegar na primeira toalha que estava à mão. Nem levo a camisola às riscas. Tenho pressa do sol. E tu, Pulcinella? Queres a água, eu sei. Eu vou ver a vida. As prostitutas, os velhos, os ladrões, as meninas sem beira. As mulheres. Mas com os olhos nivelados e os seios-laranjas da Andaluzia. Apetece-me provocá-las. Desconstruí-las no corpo e no génio. Fazer-lhes mal e bem. Vamos tourear esta gente, Pulcinella. E o destino também. Eu sou Pablo Picasso.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

O amor existe

Não, não é verdade. O amor existe. De muitas formas possíveis mas existe. E é imorredoiro. Pode ir e ir e parecer que não vem mais. Algumas vezes nem virá materializado em situações da vida. Mas o sentimento está lá. Escondido, amarfanhado, odiado. Até um dia em que haja a possibilidade de sentar connosco na esplanada. É muito difícil gostar verdadeiramente de alguém. De alguém que não somos nós. Que lê outros autores, que não viaja, que gosta do campo. Que diz mal de nós. Que nos é indiferente. E, de repente, não podemos passar um sem o outro. Ora uma coisa assim não acaba com um simples esfumar-se. Com um estalar dos dedos. Da mesma forma que não começou assim. Juntaram-se muitas coisas, sinapses, discussões, noites sem sono, emoções neurológicas não repartidas, para terminar assim. Por isso é que é sempre possível recuperar um verdadeiro amor. Como? Por favor, contactem a minha assistente, a D. Lurdinhas, para marcarem consulta comigo. Mas desse já vos digo que a agenda está preenchida até fins de Novembro. Até lá, meus amores.