quarta-feira, 21 de março de 2018

O facebook, eu e os gatos

O prometido texto sobre os gatos é um dos mais difíceis que tive de escrever ultimamente. Por várias razões: exige argumentação complexa (filosófica mesmo), concisão nas ideias e polémica porventura desnecessária. O problema é que é no Facebook em que estamos nada do que atrás referi pode ser considerado atractivo para os seus utilizadores.
Vou por isso tentar ser o mais breve e linear possível no que a seguir escrever. 
Há duas correntes em discussão nos dias de hoje: uma que diz que ainda vivemos na modernidade e outra que afirma já termos mudado de paradigma e que atingimos a pós-modernidade.  
Esta segunda das visões interpretativas assegura que a racionalidade fragmentou-se e encaminha-se para o fim das visões sociais totalitárias. O advento da internet, do jornalista-cidadão, da democratização no acesso (e posse) dos meios de comunicação parece confirmar esta ruptura com a visão única da realidade de nós e dos outros. 
Sempre defendi que a interacção de ideias fomentada pelas redes sociais inevitavelmente traria vantagens para uma sociedade cada vez mais consciente, em virtude de as novas gerações configurarem um avanço na posse generalizada de instrumentos teóricos e técnicos. 
Por esta razão sorri sempre com desdém dos líderes de opinião que na televisão e nos jornais abespinhavam as redes sociais, como se só a opinião deles contasse. 
Há uns meses encontrei-me com Mark Zuckerberg no clube de Bilderberg. Disse-me ele que não desgostava do que eu escrevia mas para mantermos a hegemonia do pensamento e da moral globais sugeria temas menos disruptivos. 
Pedi-lhe para ser mais concreto. Ele então explicou: deve continuar a escrever para as mulheres (são os grandes consumidores do Facebook) mas não sobre as mulheres ou sobre o corpo delas. 
Não resisti a desafiá-lo para me sugerir temas. E então vejam só: comece pelos gatos, é sucesso garantido, depois vá progredindo sempre em torno dos assuntos aceites pela nova ordem global — a guerra na Síria, a crítica aos professores, a defesa dos interesses dos homossexuais, a condenação da importância nuclear da família, o elogio de um presidente da república que beije todos e defenda o interesse de alguns. 
Todos temas consensuais. 
A maioria dos leitores provavelmente não me conhece. Sou mau, cínico e defensor acérrimo da liberdade. 
Nos jornais já não se pode escrever de forma independente. Restam as plataformas digitais, pensava eu. 
Enganei-me. Vamos então escrever sobre gatos até o Mark se sentir enfadado. 
Por essa altura resolvi fazer a vontade solicitada há anos pelos meus filhos: aceitar um felino doméstico lá em casa.  
Chama-se Vodka e é uma gata. Foge e corre de nós e procura-nos a todo o momento. Os meus filhos chegam da escola e a primeira coisa que perguntam é onde ela está. Na semana passada perguntaram-me a medo: “Então, já gostas da Vodka?” Não disse nada. Que ingénuos! Sempre adorei animais. Aliás, o problema está exactamente aí. Gosto demasiado deles — sofro e divirto-me com eles como se eles fossem eu. Esse o motivo porque nunca os quis. 
Se uma prova disto mesmo fosse necessária basta olhar para as minhas mãos: arranhadas de conversar com a Vodka.  
De todos apenas o Sebastião não gosta dela (é o periquito lá de casa, que enviuvou há pouco tempo da Carlota, e sente a solidão e a sua vida ameaçadas pela gata). 
Ah, sim! O Sebastião e a minha inestimável assistente, a Dona Lurdinhas, que sempre que vem despachar ao meu gabinete vocifera baixinho sobre o aspecto das minhas mãos. 
Acerca dos temas a tratar proximamente no Facebook lembrei-me agora de um, consensual e condizente com a nova ordem global que todos queremos implementar: a necessidade de os jardins de infância funcionarem até às 23 horas para que os pais possam estar mais tempo nas empresas.  
Ora aí está. 

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