sexta-feira, 9 de março de 2018

Meu Deus

Tenho-o dito muitas vezes: gostava de acreditar numa realidade transcendente que me trouxesse conforto mas também inquietude. Na resposta aos meus limites e, principalmente, na descoberta de quem sou. Pedi a sábios da igreja que me ajudassem nessa tarefa. De nada valeu. Não consegui ouvir ninguém absolutamente outro chamar por mim. Dar-me a mão e explicar. Continuo, por isso, um ser limitado pelo tempo e pelo espaço, impossibilitado de ser mais do que isto que sou. Um ser condenado a ter um fim, um adeus até sempre.  Tenho assim muita pressa. Tanta que às vezes não consigo fazer nada. Fico tolhido pela angústia de nunca o conseguir. De nada deixar que sirva de marca de mim. De escrever bem, de ser bom pai, de primar pela capacidade de perceber tudo, de deixar um sinal nos demais. Para mim a imortalidade é isso. Não no sentido de vencer o tempo. Isso seria ser religioso e isso não consigo, já o disse. Mas antes de ter sido o melhor que é possível. E a angústia reside aqui. Não deixa tempo para nada. Para pararmos para pensar. Para nos sentarmos na esplanada e olharmos.Temos de apanhar a auto-estrada e voarmos a caminho da conferência, do lançamento do nosso livro, da entrevista na televisão. Ou então de nada disto. Da mera inscrição imorredoira do nosso nome na árvore, da publicação da quadra que fizemos a São João no jornal local. Custa tanto sermos mais que a terra e a época que nos couberam em sorte. Sermos deus de nós mesmo. Maiores do que sempre fomos. Eu quero ser forte para aspirar a ser simplesmente eu. Escritor de reconhecido mérito, sábio de tanto saber sobre a vida e sobre os outros. Só. Mas isto é tanto. Seria quase ser religioso. E eu não sou. Sou apenas alguém que quer gostar de si. É isso. É esta a imortalidade possível. 

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