quarta-feira, 14 de março de 2018

Camisas Façonnable

A vida exige tantas vezes salvo-condutos para se atingir metas. Muitas das vezes são pertences relativamente óbvios: a inteligência, a beleza, o savoir-faire, a linhagem familiar, as notas escolares, etc. 
Mas há senhas de admissão que estão para lá de qualquer paradigma racional. A entrada nas discotecas da moda é um bom exemplo desta subjectividade sem explicação. 

Tudo isto começou com o alargamento dos círculos anteriormente confinados à classe média-alta. Portugal desenvolveu-se de forma rápida com os dinheiros da Europa, corriam os anos de 1990, o que fez com que novas gentes acedessem à prosperidade económica. 

As discotecas por essa altura estavam com filas imensas de jovens a tentar entrar pensando que o dinheiro compra tudo. Do outro lado da barricada estavam os porteiros das casas de diversão. Idiotas de cabeça geralmente rapada e tronco de árvore milenar. É evidente que de psicologia sabiam apenas que ela se aplica nalgumas actividades de pesca, chamadas de piscícolas. 

Nas discotecas Kapital, Kremlin, Plateau os enganos cometidos por aquelas cabeças ao vento são ainda hoje motivo de anedota. No ginásio era tudo mais fácil. À noite, as turbes ansiosas a olharem a porta de acesso, e as coisas a complicarem-se. 

No caso das raparigas a coisa mesmo assim era mais fácil: anos de actividade hormonal vivida na margem sul e na Damaia e as mini-saias das jovens ajudavam a tarefa. No caso dos rapazes, bem... aí... aí... não sabiam o que fazer!


Até que descobriram o tal salvo-conduto de que falávamos no início destas linhas, sem lógica mas eficaz: as camisas Façonnable envergadas pelos clientes. 
Ainda hoje me dá saudade recordá-las. Criadas por um costureiro de Nice, chamado Albert Goldberg, caracterizavam-se particularmente pela utilização do patchwork, uma espécie de junção muito bem feita de padrões diferentes. 


Resultado desta história: eram um sucesso aquelas camisas: os políticos, a gente do espectáculo, os banqueiros e os rapazes que queriam entrar nas discotecas, usavam-nas à noite. 

As consequências de tudo isto nem sempre eram divertidas: dificilmente não se encontrava nas festas uma camisa com o mesmo padrão da nossa e nas revistas lá estavam as vedetas com as camisas iguais às que tínhamos lá em casa. Eu então tinha um azar com um figura muito conhecida da televisão, coincidência que aliás constituía motivo de gozo por parte dos meus colegas. 


Uma vez, num hotel, eu e o Belmiro de Azevedo cruzamo-nos na entrada de uma sala, olhamos um para o outro, e lá estava a minha Façonnable no corpo dele e a dele no meu. Igualzinhas. 
No ano 2000, Goldberg vendeu a marca por 370 milhões de dólares a uns americanos que depressa adulteraram o ADN das colecções que se seguiram. 


Outros logotipos e outros nomes entretanto substituíram aquele, embora nunca com o mesmo impacto. 


Qual não foi o meu espanto, este mês, quando vi o catálogo Primavera-Verão da Façonnable. As camisas patchwork voltaram. E mais baratas que há vinte anos. A da fotografia que acima se publica custa 165 euros. Não tem o desenho do Albert Goldberg mas é o que se pode arranjar. Já podemos ir outra vez à discoteca. Só espero que as raparigas continuem igualzinhas. 

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