Nunca
gostei de ginásios, de suor, de runnings, de desporto. Sempre gostei mais de
ver do que fazer. Em tudo o que se mova. Ultimamente as coisas tiveram que
mudar: aos poucos e poucos fui impelido por todos a fazer umas
caminhadas. Uma tortura. Ando de vez em quando mas detesto. O ar a faltar e a
esplanada sem mim. Já me sinto cansado só de pensar nisto.
Ontem
andei mais uns quilómetros. A necessidade de ser bonito a isso me obriga. O
fato Zegna merece um dono como deve ser. Só mais um bocado. Já só faltam seis
quilómetros. A esplanada ao dobrar da esquina. E eu a suar e a andar. Foi nisto
que apareceu ao meu lado um rafeiro em forma de cão com pêlo longo e sujo e
língua de fora. A língua de fora reconheci-a eu de algum lado. O resto do
retrato – eu e mania dos retratos – também me era familiar. A verdade é que desde
sempre atraio os cães. Vêm todos ter comigo. Parecem conhecer-me, confiar em
mim. Nunca percebi porquê. Talvez por, tal como eles, achar que os outros todos
os conheço há muito tempo. Que faço parte da vida deles. Que não precisamos de
ser apresentados. Engano meu tantas vezes arrependido.
E o
rafeiro de porte pequeno a andar o tempo todo ao pé de mim. Contente,
notava-se. A língua de fora e o fumo do calor a sair da boca. E a rir. Eu sei.
Fez-me lembrar um outro que há muito tempo também caminhava repetindo os
meus passos. Por um instante traiçoeiro saiu do passeio e foi cheirar a rua.
Veio um carro e matou-o. Ali à minha beira. Nunca mais recuperei de vez
daquilo.
O cão
pequeno de língua de fora olhava para mim e para a relva do jardim. Parecia
orgulhoso do novo amigo. E a esplanada à minha espera. É tempo de parar. A casa
veio ter comigo. Abri a porta, entrei. Olhei para trás. Lá estava ele sentado
no passeio a ver-me. Olhei melhor. Sim, o rafeiro estava mais magro. Ao
contrário de mim.
Sem comentários:
Enviar um comentário