sábado, 17 de maio de 2014

Bom Povo


O povo de Portugal abandona a igreja onde assistiu esta manhã a uma missa de acção de graças pelo sucesso do programa de ajustamento hoje terminado. 
À frente vê-se o presidente do conselho. Para trás ficou Camilo Lourenço que mostrou vontade de cumprir o sacramento da confissão. 
No semblante de todos a vontade de que os Espíritos Santos Salgados guardem a nossa Pátria. 

sábado, 12 de abril de 2014

Biblioteca Café


Uma das coisas que me diverte mais na vida é ler. Em qualquer sítio. Em casa, na areia, no café. Nessas ocasiões, perco-me completamente do tempo e do mundo. Chego a parecer uma criança. Ou, então, um lunático sem poiso. Por vezes perigoso outras inofensivo. Mas sempre estranho.

Foi o que me aconteceu outro dia num café. Que por ironia dos seus donos se chama Biblioteca. Lá estava eu, cabeça baixa sobre a revista, os olhos a acompanharem as letras e as fotografias, a cabeça num sítio qualquer. Na mesa espraiava-se a Adriana Ugarte, impressa em papel mate, e ao lado, um copo cheio de gelo, limão e coca-cola zero.

As luzes acesas daquele café em tarde de sol acrescentavam coisa nenhuma ao espaço. Talvez alguma aura de filme. Ou nem isso. Deve ter sido a empregada que se esqueceu de as apagar. À minha leitura e à Adriana as luzes nem estavam a menos nem a mais. Simplesmente não faziam parte daquele momento.

Os meus olhos jogaram a vida inteira ao gato e ao rato comigo. Ao longe vi sempre mal; ao perto ria-me dos outros que precisavam dos óculos. Nunca me importei muito com isso – não via a três metros os defeitos, as rugas das mulheres. Estavam quase sempre bem. A Adriana Ugarte e a professora de francês do meu filho são testemunhas disso.

Na página seguinte da revista anunciava-se a nova colecção da Cerruti. Fotografias grandes de gravatas, camisas, blazers desafiavam agora o meu olhar. A roupa e as luzes do café em tarde de sol. Que estava a deixar de o ser no horizonte que a montra deixava ver. A noite aproximava-se. A Adriana tirara já os óculos pretos da moda.

Só eu continuava longe da noite e do dia. Estava a ler. Concentrado como sempre. Rodeado de luzes por todo o lado. Que mais pareciam holofotes.

Dizem que foi por essa altura que a noite baixou definitivamente sobre o Biblioteca. Quem mo disse foi a Adriana e a professora de francês do meu filho. Que eu não reparei em nada para além do texto engraçado do João Tordo que estava naquela revista e eu devorava longe da mesa onde estava.

Por fim fez-se luz em mim. O café estava agora às escuras. As luzes foram desligadas. Era hora de servir as mistas grandes cheias de queijo. E de afastar os clientes que liam e não comiam as mistas grandes cheias de queijo. Vamos embora Adriana, mais a colecção da Cerruti e o texto sobre a vila alentejana engendrado pelo Tordo, que o café Biblioteca não é para nós. E a própria professora de francês do meu filho merece melhor. Merece a areia em frente ao mar onde eu estive a tarde toda. Agora eu sei.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

A propósito de uma fotografia


O tempo, esse escultor de emoções novas, passou por aqui. E fez estragos. E trouxe consciência ao olhar inicial. 
Conheci-os a todos. Todos bons miúdos. Com a coragem que naquela altura as circunstâncias partidárias exigiam. Principalmente quando o exercício político se desenvolvia à direita. Dois deles já não são do CDS. Militam num outro partido. Mais à esquerda. O próprio professor já não pensa da mesma forma em termos políticos. 
É o tempo a trazer maturidade e mudança. Mas, felizmente, a manter o sonho no olhar daqueles jovens prontos a mudar o mundo. 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Em tempo de aniversário do jornal O Vianense


O tempo não é uma linha linear, contínua, sempre igual. Vive de sobressaltos, disrupções, mudanças de sentido. O mesmo acontece com a vida das pessoas e dos povos. Aquilo porque estamos a passar neste momento inscreve-se nesta alteração de rumo. Na Europa, e muito particularmente em Portugal, vive-se uma época de crise e de mudança.

Não é por acaso que estas duas últimas palavras normalmente surgem associadas uma à outra. Crise e mudança são, efectivamente, duas faces de uma mesma realidade. Elas revezam-se e explicam-se. Na maioria das vezes com efeitos positivos, outras nem tanto.

Aquilo que tem acontecido em Portugal é a materialização da segunda possibilidade. A crise no nosso país e, principalmente, a forma como se tem procurado resolvê-la, nada tem de regenerador, de virtuoso. O nível de destruição da teia social e económica que nos aproximou durante estes séculos todos é de tal ordem que o retrocesso em vez do avanço parece ser a consequência natural desta crise.

Na Europa as coisas também não estão muito melhores. A desunião entre as nações é evidente, a compreensão do carácter global das razões deste tempo não tem feito caminho. E isto num continente reconhecido pelo alto grau cultural das suas elites!

É em plena vivência deste tempo de perplexidade que se comemoram os 34 anos de vida do jornal O Vianense. Não é fácil administrar uma publicação periódica numa altura assim. Ainda por cima quando o jornal em causa se insere numa cidade e numa região também ela mergulhada numa profunda crise económica e no vazio da materialização de desígnios. Viana há muito tempo que sabe que o seu futuro passa pelas indústrias ligadas ao mar, ao turismo e às actividades criativas de cariz cultural e etnográfico. Pois é exactamente ao arrepio destas metas de desenvolvimento que o governo central retirou nos últimos dois anos a auto-estrada livre de portagens – e que tinha sido a única coisa que verdadeiramente tinha patrocinado em termos políticos durante todo o século XX –, os estaleiros navais que foram desde sempre o esteio do progresso industrial, o comboio de ligação directa ao Porto e a Vigo – numa atitude que chega a parecer de desaforo, de gozo mesmo – para não falar da velha questão da não autorização de funcionamento de um único curso universitário que seja, de que a engenharia naval é o exemplo mais chocante.

Ser jornal e ser cidade assim não é fácil. Resta esperar que a tal palavra normalmente associada ao conceito crise – mudança – ocupe a sua vez na realidade que tarda em chegar. E se integre num contexto de maior discernimento e de maior felicidade para estes homens e estas mulheres de Viana que há muito o merecem porque nunca tiveram nada.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Notícia do dia


Esta manhã, quando um funcionário público saía de uma conhecida pastelaria lisboeta, depois de ter terminado o turno de urgência no hospital de St.ª Maria, foi detido pelas brigadas de recalibragem ideológica. O indivíduo em causa, médico de profissão, é conhecido pelo seu reaccionarismo na recusa de integração no processo de ajustamento em curso no nosso país.

Após curta audiência no tribunal plenário de S. Bento, o clínico foi enviado para o centro de reeducação de Monsanto, onde poderá redimir-se dos desmandos a que o Estado para o qual trabalhou – e tirou proveito disso – conduziu o nosso povo. A revolução não pode parar sob pena de as liberdade individuais de escolha e de fomento do êxito pessoal serem postas em causa. Viva o Estado mínimo, abaixo os funcionários públicos.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

O Rapaz da Camisola Verde


O mar de Viana (ou de Afife, como quiserem!) levou com ele os segredos todos de Pedro Homem de Mello. Até mesmo o do rapaz da camisola verde. Que hoje anda por aí de camisola grená. À procura das moças do surf para com elas experimentar o mar revolto e a paz adulta da casa de família acabada de estrear. Com as janelas abertas para deixar o sol e o barulho das ondas entrar. Calando deste modo o choro das crianças que um dia vão tricotar outra vez a cor verde do mar.