Uma das
coisas que me diverte mais na vida é ler. Em qualquer sítio. Em casa, na areia,
no café. Nessas ocasiões, perco-me completamente do tempo e do mundo. Chego a
parecer uma criança. Ou, então, um lunático sem poiso. Por vezes perigoso outras
inofensivo. Mas sempre estranho.
Foi o
que me aconteceu outro dia num café. Que por ironia dos seus donos se chama Biblioteca.
Lá estava eu, cabeça baixa sobre a revista, os olhos a acompanharem as letras e
as fotografias, a cabeça num sítio qualquer. Na mesa espraiava-se a Adriana
Ugarte, impressa
em papel mate, e ao lado, um copo cheio de gelo, limão e coca-cola zero.
As
luzes acesas daquele café em tarde de sol acrescentavam coisa nenhuma ao espaço.
Talvez alguma aura de filme. Ou nem isso. Deve ter sido a empregada que se esqueceu
de as apagar. À minha leitura e à Adriana as luzes nem estavam a menos nem a
mais. Simplesmente não faziam parte daquele momento.
Os meus
olhos jogaram a vida inteira ao gato e ao rato comigo. Ao longe vi sempre mal;
ao perto ria-me dos outros que precisavam dos óculos. Nunca me importei muito
com isso – não via a três metros os defeitos, as rugas das mulheres. Estavam
quase sempre bem. A Adriana Ugarte e a professora de francês do meu filho são
testemunhas disso.
Na
página seguinte da revista anunciava-se a nova colecção da Cerruti. Fotografias
grandes de gravatas, camisas, blazers desafiavam
agora o meu olhar. A roupa e as luzes do café em tarde de sol. Que estava a
deixar de o ser no horizonte que a montra deixava ver. A noite aproximava-se. A
Adriana tirara já os óculos pretos da moda.
Só eu
continuava longe da noite e do dia. Estava a ler. Concentrado como sempre. Rodeado de luzes por todo o lado. Que mais pareciam holofotes.
Dizem
que foi por essa altura que a noite baixou definitivamente sobre o Biblioteca.
Quem mo disse foi a Adriana e a professora de francês do meu filho. Que eu não
reparei em nada para além do texto engraçado do João Tordo que estava naquela
revista e eu devorava longe da mesa onde estava.
Por fim fez-se luz em mim. O café estava agora às escuras. As luzes foram desligadas. Era hora de
servir as mistas grandes cheias de queijo. E de afastar os clientes que liam e
não comiam as mistas grandes cheias de queijo. Vamos embora Adriana, mais a colecção da
Cerruti e o texto sobre a vila alentejana engendrado pelo Tordo, que o café
Biblioteca não é para nós. E a própria professora de francês do meu filho
merece melhor. Merece a areia em frente ao mar onde eu estive a tarde toda. Agora
eu sei.