quinta-feira, 13 de abril de 2017

Furgoneta com vista para a dentista


O problema de tantas vezes. Rua de sentido único e uma furgoneta parada na minha frente. O tempo a passar e ninguém para além do condutor. Apitei.

Foi nesse instante que saiu pela porta do lado direito do veículo uma senhora baixa, aldeã, vestida com a roupa de usar nos casamentos, carteira debaixo do braço (só para enfeitar que o dinheiro trazia-o junto ao sutiã), passo em direcção ao consultório da dentista que ficava logo em frente. Mas antes fez algo que me impressionou muito.

Estacou desafiadora na minha direcção, olhou com desprezo misturado com altivez, uma verdadeira lição de moral por causa daquela buzinadela. E deu meia-volta sem precisar de dizer nada.

A bofetada em mim teria sido mais intensa se nesse momento ela não tivesse tropeçado numa daquelas bolas pós-modernas que delimitam os passeios das ruas. Escusado será dizer que a altivez raras vezes usada espalhou-se ao comprido naquele chão amanhado pelo diabo. A última coisa a cair foram as pernas que tentaram escapar ao desastre mantendo-se o mais possível de tempo viradas para o céu. A carteira, essa, a mão não a largou. Só a dignidade se foi com o olhar de antes.

Virei a cara para a frente. O marido procurava no retrovisor a imagem da mulher sem a encontrar. Já entrou no consultório, pensou ele, e arrancou. Por isso é que a escolheu para mãe dos seus sete filhos. Sempre foi despachada. Que o diga a lua grande da festa da Sr.ª das Neves quando a conheceu.

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