sexta-feira, 23 de agosto de 2019

A casa de Pedro Homem de Melo


Pedro Homem de Melo. Ainda o conheci, já lá vão muitos anos. Fato completo de cor branca quando passeava em dias de festa pelas ruas de Viana, de cor cinzenta com risca branca quando fazia os programas na televisão. Cigarro entre os dedos, a lançar uma coluna de fumo embora sem nunca ser fumado. O cabelo impecável, esforçadamente penteado, apresentação cuidada — e conseguida. Ele sabia do impacto que causava. Falava com uma educação esmerada, beijava a mão das senhoras. Era um aristocrata por via do nascimento e da forma de ser. 
Esse cuidado com as pequenas coisas transferia-o para a poesia. Era um grande poeta. Falava do mar com a mesma exigência literária de quando falava das pessoas. Do riacho vizinho à sua Quinta das Cabanas ou do rapaz da boina verde. Do dançarino do vira Manuel Enes Pereira ou das tílias. Cada palavra pesada, analisada de todos os lados para servir como nenhuma outra os intentos do verso. 
Parece fácil para quem não sabe escrever. Não é uma tarefa qualquer. Exige doação total do poeta ou do escritor. 
Talvez por isso muita gente da época não o percebeu. Homem de Melo era muito mais do que parecia quando buscava, sentado ao sol entre as rochas da praia de Afife, a verdade de si que lhe escapava. 
O seu funeral é a prova terrena disto mesmo — que ninguém quer lembrar. Na hora em que Pedro Homem de Melo desceu à terra poucos lá estavam: para além da Amália, apenas alguns admiradores de Viana, alguns intelectuais do Porto e alguns familiares. Muito poucos, todos. 
De Afife, onde viveu com alguma intensidade uma parte de si e ficou sepultado, quase ninguém. Para o futuro ficaram as ruínas do corpo, da vida, da praia, dos homens, da terra do vira e da gota que tanto amou.  
Do senhor doutor resta hoje uma saudade distante. Da sua belíssima casa, a Quinta das Cabanas, sobrevive a estrutura da capela e da habitação, o célebre ribeiro lá ao fundo, as discussões ouvidas longe dos actuais donos e o desagrado que nem tentam esconder pelo chegada de mais interessados na saga de conhecer os muros e as terras vizinhas da propriedade. 
“Existo, sem futuro e sem passado.
Por toda a sonolência que me abriga...
Obrigado!",  escreveu Pedro Homem de Melo. 
Ainda bem que o poeta percebeu em vida o destino de todos os poetas. 
Em Afife, ele e a mulher descansam em silêncio da festa e do mar, só entrecortado pelas vezes em que decidem “Havemos de ir a Viana”.

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