sábado, 1 de abril de 2023

Os amores nunca contados de Roberto Cotrim e seus companheiros na ilha deserta


Este é o relato da sobrevivência de três indivíduos, iguais a muitos de nós, numa ilha do mar das Caraíbas, perto de Trinidad. São eles o Roberto Cotrim, de origem portuguesa e emigrante em Hamburgo, o Wednesday Saliou, descendente de camaroneses nascido em Berlim, e a Camila May, inglesa a viver há muitos anos em Munique. Quando o destino os juntou na ilha, nenhum deles se conhecia, e muito menos suspeitava que as suas vidas se iam entrecruzar de um modo tão intenso.
Em frente às cabanas de madeira onde dormiam, as areias muito brancas espraiavam-se até ao mar. Mais nenhum ser humano andava por aquelas paragens, a vida manifestava-se na natureza de origem  tropical e na enorme quantidade de bichos que por ali apareciam. Sem contar com o viveiro natural de peixes, mariscos e moluscos de toda a espécie que as águas caribenhas albergam.

Roberto e Wednesday foram os primeiros a chegar à ilha. O português logo se revelou o mais influente na tomada das decisões e o menos operoso nas tarefas do dia a dia. Inteligente, com quarenta e alguns anos, diretor de um jornal destinado à emigração e eterno candidato a escritor, notava-se nele o cansaço de situações vividas que queria deixar para trás. A maior parte das vezes manifestava a vontade de estar só com os seus pensamentos.

O Wednesday era muito diferente. Dócil, operoso, pescava o peixe, caçava as presas, cozinhava, e suportava os desvarios de Roberto. Impressionava pelo seu porte físico, qual Adónis negro, rosto harmonioso e corpo preenchido por músculos herdados de gerações de camaroneses habituados ao trabalho braçal. Sofria em segredo, no entanto, desde adolescente por ter um pénis pequeno. Chamava-se Wednesday, numa homenagem do seu pai à vitória do Porto, na final da Liga dos Campeões Europeus, disputada em 27 de Maio de 1987, uma quarta-feira, dois dias antes do seu nascimento. Era professor de matemática num liceu de Berlim.

Só depois surgiu a Camila, um alvoroço em forma de gente, como sempre acontece quando uma mulher invade um reduto masculino. Não era bonita, longe disso, era magra como uma inglesa das antigas, tinha uma espécie de malota, salve seja, no cimo das costas e um andar desconjuntado. Fora isso, destacava-se pela boa disposição, acerto das sentenças que proferia a propósito de todas as coisas, capacidade organizativa e, claro, visão prática do mundo efabulado em que aqueles dois tinham andado atá ela aparecer.

Para além disso, conforme se veio a verificar mais tarde, era versada em matéria de amor e de sexo, coisas que não se podem considerar despiciendas numa ilha deserta. Ainda por cima, sabendo-se que os três habitantes daquele espaço andavam permanentemente nus. 

A verdade é que, logo na noite em que a Camila chegou, depois de o Wednesday lhe ter oferecido uma galho florido que colheu enquanto caçava, dormiu na cabana dele e durante todas as noites que se lhe seguiram.

A este respeito convém esclarecer que as noites com o negro Adónis só aconteceram na sequência da recusa continuada do Roberto Cotrim em deitar-se com ela. Camila tentou desde o primeiro momento, mal o apanhou sozinho:

– Nem vale a pena tentares, nunca o aceitarei – disse o jornalista com voz compassada, própria de quem sabe o que afirma  – hoje seria só sexo, amanhã também, daqui a uns tempos poderia ser outra coisa. E não quero mais, a minha vida foi toda isso. Vou conservar a liberdade que encontrei nesta ilha.

– É a primeira vez que vejo alguém confundir o amor com a falta de liberdade. Pelo contrário, o autodomínio só acontece quando sentimos que gostam de nós. Sem isso não é possível  sermos livres do medo, do futuro, da morte. E felizes, claro...

– Pode ser que um dia te venha a dar razão, por agora quero quebrar o ciclo que parece não ter fim de um percurso feito de algumas alegrias, mas também de enorme sofrimento. Sinto-me cansado – rematou a conversa o Roberto quase escritor.

Os dias seguiram tranquilos no paraíso em que aqueles três habitavam. O mar transparente entabulava conversa com eles todos os dias, umas vezes a aquietá-los quando nele avançavam a nado, outras falando lá longe, mas manifestando-se sempre atento. O sol muito claro fazia o mesmo, já os tratava como amigos.

Mas a passagem do tempo ainda que parecendo nada modificar, acaba por deixar a sua marca. 

Num fim de tarde, estava o Wednesday a pescar para o jantar, no mar em frente às cabanas, enquanto o Roberto pensava deitado na areia. A Camila aproximou-se do jornalista e deitou-se ao seu lado. O silêncio foi a linguagem adotada pelos dois durante alguns minutos até que ela voltou ao assunto de sempre:

– Não sei como é possível alguém recusar o amor com um cenário destes, a tranquilidade e o sol a envolver-nos.

Nessa altura, Wednesday vê-os e agita os braços em jeito de saudação. Camila responde-lhe  esbracejando também. Roberto continua calado e quieto.

– Sabes uma coisa? – insiste ela –Vou inscrever-te num curso de inteligência emocional com um grande psicólogo, o Dr. Quintino Aires. Talvez seja a melhor forma de redescobrires o amor, seja pelas pessoas que participam nas sessões virtuais com ele, seja pelos livros que veneram. Ou então pela sabedoria do formador nestas matérias. 

O português continua mudo. Ela resolve finalmente não dizer nada e aproveitar o sol a percorrer o corpo de ambos. A sensação de quietude torna-se agradável, a paz envolve-os e do resto a natureza encarrega-se. A representante do género feminino naquela ilha olha de soslaio para o centro do mundo do homem a seu lado e vê-o erguido em direção ao sol. Levanta-se sem disso fazer alarido, pega no promontório, baixa o corpo de forma lenta e mete-o dentro de si. 

Segue-se um vai vem dominado pelas ancas e pelas coxas experientes da Camila, num movimento vagaroso, mas firme, enquanto o Wednesday detém-se imobilizado pela surpresa no mar em frente dos amantes.

As mãos dos dois fincam com cada vez mais força as areias que lhes servem de leito, o coração bate ansioso e, nesse momento, aproxima-se pelo ar um helicóptero da RTL5, a estação televisiva organizadora do reality show em que os três magníficos participam.

Da aeronave em forma de pássaro saem homens, mulheres e um sem número de máquinas. É a noite do espetáculo final da 48ª edição do programa. A praia ilumina-se com potentes holofotes, um homem vestido fala para as câmaras, entrevista os concorrentes e anuncia o vencedor escolhido pelos telespectadores: Wednesday Saliou.

No dia seguinte já a ilha é apenas saudade. Camila May vai viver com o alemão-camaronês, e de tempos a tempos visita a cama do jornalista português. Cada um deles procurando no outro a liberdade.

 

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