terça-feira, 16 de maio de 2023

Ser escritor


Sempre achei que escrever bem é o exercício criativo mais difícil de todos. Não estou a falar de juntar letras numa folha de papel com um recado para alguém. É mesmo da arte nascida da adesão de ideias a palavras, ao som que elas produzem no fim da frase, à reflexão que provocam em nós, à imagem de cada um refletida no texto (mesmo que recusada), ao ato da procura ansiosa do desenlace da história que lemos – isso sim, escrever bem é isto.

Mas aqui reside a dificuldade daquilo que dizíamos. Por isso é que fazer de uma ideia, de uma metáfora, por exemplo, o dilema que conhecemos bem de o termos vivido já sem nunca o termos resolvido, contado em poucas palavras, sem grandes arranjos florais, com palavras fáceis, não está ao alcance de todos. Por isso é que não é escritor quem simplesmente o quer ser.

Na maioria das vezes pressupõe um jeito que não se explica, associado à técnica aprendida à custa do treino incessante da escrita, mas, além disso, ao olhar perscrutador confundido com voyeurismo, à solidão impraticável para o homem comum, à desordem emotiva com que vive algumas situações.

Neste dois últimos meses tive o privilégio de ouvir do escritor João Tordo, numa sequência programada, alguns dos segredos da produção literária. Li textos escolhidos por ele, discutimo-los, acompanhei a dificuldade da escrita ficcional.

Garanto-vos que se desde criança promovi em mim o defeito de endeusar os escritores, depois deste tempo de estudo fiquei a admirá-los ainda mais. Preciso urgentemente de alcançar a simplicidade que é traço aparentemente inacessível na escrita daqueles homens e mulheres.


Na foto: o escritor Javier Marias no escritório da sua casa.

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