quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Adeus robalo


Disse ao empregado que era grande demais. Mas o robalo olhava para mim de forma aparentemente solidária, como que a querer partilhar a vida de peixe desgraçado. Tive alguma pena dele, à minha frente estendido, dissecado até à medula. Do seu corpo saía fumo, prova de que deveria ter veraneado nas águas quentes do forno da cozinha. Será que não merecia tanta pena como parecia? Provavelmente era eu o pobre coitado em tudo isto. Quer um bocadinho de azeite da travessa? — perguntou o empregado. Logo o robalo ganhou outras cores. Como se viesse de passar férias nas Maldivas. E eu em Matosinhos a olhar para uma criatura de Deus recuperada do cansaço de um ano de escritório — deitada à minha espera. Peguei nos talheres, olhei nos olhos o robalo e comi-o.

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