sábado, 13 de abril de 2019

Mulher para as caminhadas


Seis indivíduos de bata branca, 
estetoscópio ao pescoço, proferiram o veredicto: “Tem de andar meia hora por dia”. Era a quinquagésima sétima vez que o diziam, sem nunca eu ter conseguido cumprir a malfadada sentença. As ruas sempre as mesmas, o suor a querer desaguar nos olhos, a figura de parvo a tomar conta de mim. 
“Vai ter de arranjar companhia”, vaticinaram os lentes da faculdade de medicina. Companhia?Mas qual? Um homem de bigode e cheiro de pés, sempre a divagar sobre futebol?
Não, não... fiz algumas asneiras, mas não mereço tamanho castigo. Uma mulher? Para quê? Para andar?Mal empregada musa da minha vida.  E qual havia de ser?  A Dona Lurdinhas não quero,  já chega o gabinete mais os clientes. Tem de ser mais viçosa e inexperiente, o corpo a cheirar ao perfume das raparigas dos bailes de quando eu tinha quinze anos. 
Loura, sim, quase a parecer morena, olhos pretos que eu gosto muito das ruivas. Sorriso obediente sem ser submissa, que eu nunca quis mulheres dependentes do carro ou do meu filósofo preferido ou ainda do porta-moedas Gucci. 
O cabelo escorrido e sempre impecável, a pedir para ser cofiado pelos dedos deste novel atleta. Há só mais uma condição e esta irrecusável: A de não falar enquanto caminha. Nem que seja sobre a desvalorização do euro, do Brexit ou do mau-gosto do vestido da vizinha. A única coisa que pode dizer é “Ai Jesus” ou “Ai, meu senhor”. 
Vou pôr o anúncio no Correio da Tarde. 
A ver se desta vez começo a andar pelos jardins e ruas à beira-rio da minha cidade. 

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