terça-feira, 23 de abril de 2019

Tarde em Moledo


A cena presenciei-a mesmo a meu lado no Domingo passado. Eu e a Cuca finalmente esparramados ao sol, ninguém a aborrecer-nos. Ao fundo a vista linda de Moledo, a areia solidária a querer-nos felizes, o Forte no meio do mar a tomar conta de nós, o monte de Santa Tecla a mostrar-nos o caminho em direcção ao divino. Como se ele não estivesse ao nosso lados nas migalhas de rocha em que nos deitamos, e em tudo o resto a que chamamos natureza e que os homens ainda não souberam como estragar. 
A alguma distância de mim e da Cuca, um casal antigo no tempo mas igualmente feliz na cumplicidade de amor, sorria para nós como se pudéssemos compreender aquilo que ambos sentiam. Da mesma forma que eles nos adivinhavam, pareciam querer dizer. 
Até que chegou a desgraçada de uma víbora muito má travestida de mulher. Sentou-se perto do casal mais velho e devagar, muito devagar, começou a tirar cada uma das peças do seu vestuário escolhido de forma a fazer jus ao sol de Moledo. O soutien não constava do corpo da bruxa, mas dos seios redondos (da forma das minhas mãos), arrogantes de tão confiantes em si, não se tinha ela esquecido. 
Foi então que vi uma das cenas de amor mais bonitas dos últimos tempos: a mulher velha, preocupada com a interrupção do descanso do marido, tapou num ápice os olhos do companheiro com o pedaço de crochê que fazia desde que chegou à praia. 
Foi lindo. Cheguei mesmo a emocionar-me. Eu e a Cuca — que depressa aprendeu como se faz e pespegou à frente da minha imaginação a capa do seu último disco de vinil. 
Sorri contente de tanto amor. Um dia destes a bruxa má vai fazer-me a mesma coisa. Vocês vão ver.

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