quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

EM MEMÓRIA DO DR. TEÓFILO VAZ (Dedicado aos meus amigos transmontanos)


As pessoas as mais das vezes são idênticas, nascem, casam, constroem casa, morrem num lar social. Outras há que não se integram em nenhum porvir padronizado, que escapam a modos de interpretação fácil. O Dr. Teófilo Vaz, que nos deixou a semana passada, pertence ao segundo grupo de seres com quem nos cruzamos na vida. Não é, não era, alguém fácil de conhecer num primeiro momento, às vezes nos primeiros anos, às vezes nunca.

Teófilo Vaz fazia parte de uma casta rara, onde só tinha pertença um número muito reduzido de indivíduos, aqueles que sabemos serem modelados de matéria exclusiva.

É um drama ser assim. Os inconvenientes são muito maiores que as vantagens. Antes do mais porque ninguém os percebe verdadeiramente. Julgam saber mas confundem assertividade com arrogância, conhecimento com mera disponibilidade mental. Por isso é que Teófilo Vaz morreu sem que a maioria o tivesse percebido.

Jornalista e professor de História, tudo o que fazia em termos profissionais primava pela qualidade e entrega pessoal. Era ele todo que se reconhecia na oratória empregue nas aulas ou na escrita dos editoriais do jornal de que era director — o Nordeste. E sempre com o horário de trabalho a coincidir com a plenitude do dia, sem horas por preencher.

Era um excelente professor, admirado por sucessivas gerações de estudantes que passaram pelo Liceu de Bragança, escola de que era Presidente do Conselho Geral. Como jornalista tinha uma qualidade que cada vez é mais difícil de encontrar: sabia de jornalismo, mesmo. E aqui saber não se refere somente ao conteúdo dos livros lidos mas à intuição própria da profissão, que faz com que precisemos de dizer apenas duas palavras que logo a nossa ideia é percebida na íntegra. E depois aquele faro para as notícias que não se aprende…

Esta é a dimensão pública do homem, aquela que era conhecida e, vá lá, admirada. Quanto ao resto, exige ao interessado o franquear de espaços d’alma que estão para lá do gabinete de trabalho ou das tertúlias que frequentava. Teófilo Vaz, aliás como todos os seres de excepção, utilizava um léxico e uma gramática próprios; não porque usasse palavras novas mas porque lhes imprimia uma riqueza polissémica que não estava ao alcance de todos, além de que as encadeava de um modo pessoal.

A palavra inseria-se num contexto próprio, sempre em evolução ficcional, quer se referisse ao facto jornalístico ou à história contada em tertúlia de amigos. E tudo porque o mundo em sentido único, previsível, reduzia-se à veracidade corriqueira que não entusiasmava, nos momentos mais descontraídos, o Teófilo Vaz.

Quando podia era, deste modo, um sonhador. E um actor. Vezes sem conta vi-o usar da sua voz portentosa em reuniões com novos professores e eles, coitados, transidos de medo a perguntarem “Quem é este homem?”. Ou então fazendo perguntas a conferencistas com a eloquência que o caracterizava, promovendo, desse modo, a perplexidade no prestigiado orador que depressa percebia que aquele indivíduo da plateia sabia mais do que ele.

Mas atenção: não magoava ninguém. Era respeitador de todos. Distinguia-se mesmo por ser o primeiro a ajudar quem solicitasse os seus préstimos. Da mesma forma, quando contemplava a vida que por ele passava não lhe tocava; gostava de a olhar e de imaginar situações e histórias à volta dela mas deixando-a prosseguir o rame-rame quotidiano. Devia ter escrito ficção mas preferia viver a vida.

E no fim de tudo isto era um inveterado solitário. O que é comum nestes homens de eleição. Querem sempre mais, nunca satisfeitos com a realidade possível, e essa quimera ninguém lhes pode proporcionar. Mesmo tendo um numero considerável de amigos e ocasiões de festa a esmo.

Uma última palavra, agora de carácter pessoal. O Dr. Teófilo Vaz foi a única pessoa que percebeu o autor destas linhas, alto-minhoto desenraizado em terras transmontanas. A única mesmo. Quando me viu, uma das primeiras vezes, sentenciou do alto da sua sabedoria:

— Conde de Viana.

Acertou em cheio. Só mesmo um amigo daqueles poderia adivinhar tal coisa. Entre nós depressa se formou uma amizade alicerçada em poucas palavras mas em percursos de vida muito próximos. Eu apreciava-o verdadeiramente e ele a mim. Ao contrário dos outros, no meu caso. Adeus, Teófilo. Vais fazer-me falta.

Sem comentários: