sexta-feira, 30 de junho de 2023

Luís Aleluia


No tempo em que a noite era o meu dia ceava eu num restaurante de noctívagos, deveriam ser duas da manhã. Na mesa ao lado estava o menino Tonecas acompanhado pela trupe que logo se via ser aquela com quem com ele trabalhava. Comiam depois de terem dado um espetáculo, percebia-se.

Do aluno batoteiro da televisão, nada. Era o actor Luís Aleluia que ali estava, notava-se no rosto cansado, taciturno, em silêncio o tempo todo. Palhaço triste como todos os que cumprem aquela função. Metido consigo mesmo depois de ter levado às gargalhadas a plateia durante a representação.

Aos nove anos, o pai divorciado e doente no Caramulo morreu e é nessa altura confiado à Casa do Gaiato de Setúbal. Assegura que aqueles foram os melhores tempos que viveu. Aprendeu que é em comunidade, uns com os outros, que tudo vale a pena. 

Mas as marcas ficaram. Nota-se no medo da solidão – embora precise dela como pão para a boca. É como se nunca tivesse deixado de ser o menino carente, abandonado pela ventura de ser feliz.

Por isso é que se dedicou à causa dos outros ajudando um sem número de organizações solidárias. Procurou o bem e raramente o encontrou em si. Deu alegria aos outros e só. A ferida aberta, agora sabemos, nunca se fechou. 

Nem mesmo na passada sexta-feira, dia vinte e três. Apenas foi para intervalo. 

Num ímpeto montou o cavalo negro e galgou os horizontes à procura da paz apenas reconhecível na paisagem verde do Caramulo.

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