segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

O senhor do adeus

Entre as figuras que preenchem o meu imaginário, o Senhor do Adeus ocupa um lugar especial. Alto, de porte aristocrático, sobretudo comprido assertoado, cachecol a condizer, mão direita a acenar a ele mesmo, à noite, ao taxista rezingão, ao homem que viaja ao lado da melhor amiga da mulher, à lua e aos anúncios de néon, aos irmãozinhos que no banco de trás absorvem o mundo todo que corre veloz ao lado do automóvel. 
Mas, principalmente, o Senhor do Adeus escarnece da vertigem sempre a mesma dos dias que se repetem. Provoca a diferença, sacode o marasmo que é sonífero das vidas sem esperança. 
E faz por momentos esquecer aos transeuntes os objectivos propostos pela direcção comercial, o dossier encostado ao peito à espera de ser revisto noite adentro, as parcelas do orçamento familiar que é curto. 
O Senhor do Adeus nunca trabalhou. Não precisava. A família no seio da qual nasceu era abastada, felizmente. O que seria dele se tivesse de cumprir a monotonia do escritório, as horas para abrir e fechar, as aulas para dar? Não aguentaria. 
Nasceu poeta, um performer nato. Capaz de rir na cara da solidão. E de querer fazer parte da vida de todos. Mas por que hão-de os adultos estacar perante a vontade de saber quem é aquela senhora-desejo que desfila a caminho do emprego, de calar a vontade de participar na conversa sobre arquitectura dos dois jovens que olham a cidade, de abraçar o mais só dos velhos?
João Manuel Serra, o Senhor do Adeus, gostava de parar o tempo particularmente na Praça do Saldanha, onde passavam e passam as mulheres mais bonitas de Lisboa. Tinha bom gosto. E inteligência para saber que no fundo todos precisamos uns dos outros. “Eles fazem-me melhor a mim do que eu a eles” disse uma vez referindo-se aos que saudava. 
Morreu em 2010. A voragem da mediocridade campeia agora à vontade. É urgente outro Senhor do Adeus. 
Eu não me importava. Sempre gostei de cumprimentar os pessoas que não conheço. À custa disso os meus filhos gritam de vergonha e dizem que querem sair quando eu conduzo e digo adeus e toco a buzina a toda a gente. 
Não percebem nada. Um dia destes visto o meu sobretudo Gucci, na mão direita levo o saco da Rosa&Teixeira com o cachecol Scarf que vou usar no Saldanha. Ai vou, vou.

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