terça-feira, 5 de outubro de 2021

O piano


Depois deste tempo todo sem ir a uma sala de espectáculos, assisti por estes dias a um concerto do Filipe Pinto-Ribeiro com a Orquestra de Câmara de São Petersburgo. Dos violinos e dos outros instrumentos de cordas não vou falar porque nada trouxeram de assinalável para esta crónica, para além da execução esperada de uma harmonia exercitada até à exaustão. Mas o piano, meus senhores, valeu por tudo o resto: pelos russos todos, pela decoração do teatro, pela noite de Outono, pelo público que não vi. Daquele instrumento musical, imponente desde logo na sua dimensão, saía um som que não era um só – parecia a reunião de todos os possíveis, mas numa intensidade forte, capaz de nos interpelar fisicamente. Nota a nota, tecla a tecla, a música que dele saía era desconcertante porque nada na sua fluidez se tecia da mesma forma que no som anterior. Filipe Pinto-Ribeiro, e isto só é possível nos grandes pianistas, modelava em cada nota da pauta mil e uma formas de a cumprir – e na maioria das vezes de modo tão amplo quanto a vida toda.
Já era tempo da maldita pandemia nos permitir uma trégua na vontade adiada de espectáculos com esta qualidade.

Sem comentários: