quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Catarina Salgueiro Maia


A filha do capitão de Abril Salgueiro Maia emigrou para o Luxemburgo em 2011, num tempo em que Portugal era governado por Passos Coelho. Precisava de trabalho e em terras lusas não o encontrava. 

A Catarina Mau-Feitio — assim se auto-reconhece — soube desde sempre ser filha de um herói mas nunca foi beneficiada por isso. Aliás, o próprio pai também não viu reconhecido pelo estado essa condição — o triste episódio protagonizado por Cavaco Silva ao recusar-lhe a pensão ao mesmo tempo que a aprovou a dois inspectores da PIDE, é eloquente a esse propósito.  

A Catarina tem trabalhado nos últimos onze anos nas limpezas de cafés, restaurantes e, ultimamente, num lar de idosos — com todos os condicionalismos que a pandemia trouxe a estas profissionais.  

Exploradas, invisíveis para a sociedade, quem haveria de defender as “femmes de ménage” perante as entidades patronais? A nossa Catarina, claro. As televisões do Luxemburgo interessaram-se pela mulher de cabelos vermelhos, arauta inquebrantável de duas mil mulheres mal tratadas pelos diversos poderes. 

Da mesma têmpora que o pai. Indiferente a estatutos, prebendas, encómios 
supérfluos. A Catarina nunca ligou a nada disso. O que os outros pensam dela tem um interesse fugaz. 

Casou há dois meses com um trabalhador da construção civil também radicado no Luxemburgo, tal como ela com uma vida difícil para aquietar. 

Tenho muita admiração pela Catarina. Num país de que alguns acham ser donos, ela é um caso raro. 

Tem o sangue do pai, não há dúvida. Portugal precisa de mais gente desta têmpora. 

Razão tinha Sophia de Mello Breyner quando escreveu sobre Salgueiro Maia: «Aquele que na hora da vitória respeitou o vencido/Aquele que deu tudo e não pediu a paga/ Aquele que na hora da ganância perdeu o apetite/Aquele que amou os outros e por isso não colaborou com sua ignorância ou vício».

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