quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Rapariga só


Tanto tempo a adiar e afinal não foi difícil. Despediu-se do Alberto como se estivesse a dar as boas-vindas a algo em vez de dizer adeus a um parceiro de vida. Ele olhou incrédulo para ela quando a sentença costumeira surgiu: “Lamento, mas já não gosto de ti”. O marido cada vez mais pálido sem força para dizer coisa alguma. “Falaste com os teus pais?” – a pergunta de um derrotado a surgir com a inevitabilidade de sempre.
Já há algum tempo que ela tinha tomado a decisão. Ver o Alberto provoca-lhe cada vez mais cedo, no fim de mais um dia no escritório, asco: tudo nele a enfadava, o trabalho à frente de tudo, a conversa à volta do jogo do Sporting ou da política partidária ou do livro que andava a ler. O resto parece que não existia. Principalmente a vida lá fora.
Para além disso, já não a entusiasmava em nada: era feio como a maioria dos homens, o corpo nu a anos-luz da harmonia que o das mulheres transmite, a hora do sexo transformada num tormento, a voracidade traduzida em movimentos de posse animalesca e ritmo desenfreado, a conversa idiota concluída a batalha. 
No resto não era má pessoa. Interessava-se por tudo o que lhe acontecia. “Joana, não te esqueças de marcar consulta para a tua irmã, achei-a triste noutro dia...”. E insistia na certeza de que não se lembraria de o fazer. Tratava das contas da casa, contratava nova empregada logo que a actual se despedia, comprava os livros que achava que a Joana devia ler.
No dia seguinte vai estar fora daquela vida sempre igual. Combinou com uma colega do trabalho ficar por uns dias na sua casa até arranjar um sítio que lhe agradasse. Sabia que nada ia ser fácil nos primeiros tempos. Desde muito nova que a ideia de estar só a horrorizava. Tinha medo da solidão.
Quando a tal colega e o marido dela a receberam na residência que haveria ser a do exílio, sentiu-se pela primeira vez livre do vagar enfadonho em que tinha vivido. Só ao serão o casal teve coragem de dizer a verdade que tinham adiado a contragosto: “O Alberto há mais de um ano que anda com a directora de pessoal da empresa.” 
Foi nessa altura que o choro sem justificação irrompeu no rosto descido sobre as pernas, ao mesmo tempo que o sufoco vindo de dentro não a deixava falar. 
Não conseguiu dormir naquela noite nem em muitas outras noites.

Sem comentários: